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Josias de Souza

A julgar pelo que diz o pai, Flávio está em apuros

Josias de Souza

31/05/2019 20h35

Jair Bolsonaro falou sobre a investigação que expõe os calcanhares de vidro do senador Flávio Bolsonaro. Quem ouve o presidente entende melhor por que seu primogênito já ajuizou três recursos judiciais para tentar travar o processo. Deve-se a tentativa de fuga à falta de material para a defesa.

Perguntou-se a Bolsonaro se está preocupado com a situação do filho. E ele: "Lógico, se alguém mexe com um filho teu, não interessa se ele está certo ou está errado, você se preocupa." Hummmm… "Não interessa se ele está certo ou errado", eis a frase a ser realçada nas declarações do capitão à revista Veja.

Noutro trecho, Bolsonaro lamentou que o Coaf tenha farejado pedaços do salário de assessores do gabinete de Flávio, então deputado estadual, na conta do faz-tudo Fabrício Queiroz. "Estou chateado porque houve depósitos na conta dele, ninguém sabia disso, e ele tem que explicar isso daí." Hummmm… "Ninguém sabia!" Como assim? Que história é essa de "ele tem que explicar?"

O capitão reafirmou que Queiroz era seu cupincha. "Eu conheço o Queiroz desde 1984. Foi meu soldado, recruta, paraquedista. Ele era um policial bastante ativo. E você sabe que, lá no Rio, você precisa de segurança. Eu mesmo já usei o Queiroz várias vezes. Então existe essa amizade comigo, sim. Pode ter coisa errada? Pode. Mas tem o superdimensionamento porque sou eu, porque é meu filho." Hummm… Então, quer dizer que "pode ter coisa errada?" Xiiiiiii! Um caso assim dispensa tônicos dimensionais. Já nasceu superlativo.

Um paradoxo salta da entrevista. Após declarar que "lá no Rio você precisa de segurança", o presidente reconhece que seu primogênito cultiva o inusitado hábito de realizar transações imobiliárias em dinheiro vivo. Pior: além de evitar a comodidade e a segurança das transferências bancárias eletrônicas, o Zero Um prolonga a mais não poder seu contado com as cédulas. Podendo dirigir-se a uma agência bancária para depositar grandes quantias, prefere fracionar a cifra em parcelas miúdas, depositando-as num caixa eletrônico.

"São os tais R$ 96 mil em depósitos de R$ 2.000", disse Bolsonaro, ao comentar um dos achados que complicam a situação penal do filho. "Ele vendeu um apartamento, recebeu em dinheiro e fez os depósitos na conta dele. Um relatório do Coaf diz que, entre junho e julho de 2017, foram identificados 48 depósitos, de R$ 2.000 cada um, na conta do Flávio. O valor de R$ 2.000 é o máximo permitido para depósitos em envelope no terminal de autoatendimento da Assembleia Legislativa do Rio." 

Bolsonaro acrescentou: "Falaram que os depósitos fracionados eram para fugir do Coaf. Dois mil reais é o limite que você pode botar no envelope. O que tem de errado nisso?" Hummmm… O cérebro humano começa a funcionar no momento em que o sujeito nasce. E não para até que ele vire um político e precise explicar o inexplicável. "O que tem de errado nisso?" Tudo!

Tomado pelas palavras, Bolsonaro exerce em sua plenitude máxima o direito de escolher seu próprio caminho para o inferno. Adere gostosamente ao bordão de Lula: "Ninguém sabia." Com isso, transforma o filho, tido como político brilhante, num sujeito atoleimado, incapaz de perceber que o amigo Queiroz mandava e, sobretudo, desmandava na folha salarial do seu gabinete.

Em política, tem gente que faz, tem gente que manda fazer. E tem gente, como Bolsonaro e o Zero Um, que pergunta: "O que foi que aconteceu?" E querem que todos acreditem nisso. Hummm. A julgar pelo que diz o pai, Flávio Bolsonaro está em apuros.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.