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Josias de Souza

Grande trunfo da gestão Bolsonaro é Ele: ‘Deus’

Josias de Souza

02/06/2019 12h56

Com o desemprego a pino, a recessão na espreita, a Educação em frangalhos, o Congresso convulsionado, o país dividido… com tudo isso, Jair Bolsonaro conserva o otimismo. Numa entrevista para argentino ver, o capitão disse para o jornal La Nación algo que vem repetindo com uma insistência própria dos que têm fé: "Eu tenho uma missão de Deus, vejo dessa maneira. Foi um milagre estar vivo e outro milagre ter ganho as eleições. Deus também tem me ajudado muito na escolha dos meus ministros."

A qualidade do ministério indica que Deus, embora ainda seja onipresente e onipotente, já não é full time. Mas o que importa é que Ele está no meio de nós. E Bolsonaro se dispõe a ajudá-lo. No momento, está empenhado em pacificar o país: "Sim, estou fazendo esforços. Não estou atacando nem buscando a divisão." A coisa poderia estar melhor. "Mas há gente que não gosta de mim mesmo sem me conhecer."

Bolsonaro convive em casa com um exemplo de que nada é impossível. A primeira-dama Michelle permanece rendida às qualidades do marido. Não se imagine que foi fácil convertê-la, pois muita gente perguntava na fase de namoro por que ela estava saindo com "esse monstro." Numa evidência da influência divina, o capitão se enche de júbilo: "Ela ainda está apaixonada por mim até hoje." Deus seja louvado!

Às claras, apenas o PSL e o Partido Novo apoiam o governo. Mas Bolsonaro, guiado por forças celestiais, enxerga uma maioria que os olhos não vêem: "Fui 28 anos deputado e nunca pedi cargos em troca de nada. Eu acompanhei tudo o que se passou, sem me envolver. Mudamos a maneira que o Executivo se relacionava com o Legislativo. E a maioria dos parlamentares apoia isso." Aleluia!

Por mal dos pecados, os entrevistadores argentinos não suprimiram de sua pauta perguntas sobre Flávio Bolsonaro, o primogênito do ungido. "Se fez algo mau, tem que pagar", disse o comissionado de Deus, antes de renovar sua crença: "Tenho confiança que ele não fez nada de mau." E quanto ao Fabrício Queiroz? "Pelas coisas que tenho ouvido dele… Ele tem que se explicar. Tem que ser ouvido."

Em verdade, Queiroz já foi ouvido. Ou lido, pois só concordou em "falar" com o Ministério Público por escrito. Não disse coisas edificantes. Admitiu que se apropriou de nacos dos contracheques dos assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro. Mas teve pelo Zero Um uma consideração inaudita. Declarou que o filho do seu velho amigo não sabia de nada.

Embora já não confie em Queiroz, Bolsonaro acredita 100% no pedaço da versão dele que se refere à inapetência do filho para controlar o que se passava no seu próprio gabinete de deputado estadual. "Agora, por que interessa atacar meu filho?, pergunta o presidente. Porque "me desgasta", ele mesmo responde. "Não há dúvidas de que me desgasta."

Bem verdade que há outros deputados sob investigação. Mas o capitão atribui o interesse dos investigadores por Flávio à sua filiação. Com fé em Deus, não há de ser nada. "Meu filho responde por seus atos e está pronto para dar explicações. Até hoje não foi convocado a fazer."

Mesmo não sendo mais full time, o Todo-Poderoso sabe que o Ministério Público do Rio de Janeiro já convidou Flávio Bolsonaro para prestar esclarecimento. O senador preferiu entrar com três recursos judiciais para tentar bloquear as investigações. O risco que Bolsonaro corre é o de Deus pedir para ser convocado a prestar esclarecimentos.

O procurador selecionado para ouvir Deus adotaria um comportamento cerimonioso. "Há pecadores entre nós, Senhor. Mas não há ateus. Ninguém ousará duvidar da sua palavra." E Deus: "Mesmo que quisessem, não teriam como duvidar". O promotor, meio sem jeito: "Por que, Altíssimo?" O Pai Celeste, já um tanto impaciente: "Porque não tenho conta para ser rastreada pelo Coaf. E não trabalho com assessores. Ouvindo-me, conhecereis a verdade que vos libertará."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.