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Josias de Souza

Nem só de veneno é feito o conta-gotas anti-Moro

Josias de Souza

23/06/2019 06h15

Está entendido que Sergio Moro conspirou contra os próprios calos quando se meteu no aperto da troca de mensagens com Deltan Dallagnol. Tisnou sua biografia, debilitou a Lava Jato e colocou em risco a sentença do tríplex ao visitar o aplicativo Telegram para combinar estratégias, cobrar providências e oferecer testemunha à força-tarefa de Curitiba. Dito isso, é preciso reconhecer que nem só de veneno é feito o conta-gotas que umedece a reputação de Moro.

As mensagens que a Folha traz à luz neste domingo, em parceria com o site The Intercept Brasil, revelam que havia na 13ª Vara Federal de Curitiba um magistrado que, em meio às impropriedades que colocavam em xeque sua imparcialidade, era capaz de adotar providências que preservavam a higidez da maior operação anticorrupção já deflagrada no país.

Moro irritou-se com um descuido da Polícia Federal, indica o novo lote de mensagens. Deu-se em março de 2016. A PF enfiou dentro de um dos processos da Lava Jato documentos apreendidos numa batida na residência de um executivo da Odebrecht. Fez isso sem atentar para o sigilo do material. O conteúdo virou notícia.

"Tremenda bola nas costas da PF", escreveu Moro para Deltan na ocasião. "E vai parecer afronta." Preocupava-se com a reação do então ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, pois havia no material vazado informações relativas a investigados com foro privilegiado.

Conversa daqui, argumenta dali, Moro seguiu o manual: enviou para a Suprema Corte uma ação penal e dois inquéritos estrelados pela Odebrecht. "O ideal seria antes aprofundar as apurações para remeter os processos apenas diante de indícios mais concretos de que esses pagamentos seriam também ilícitos", escreveu o então juiz em seu despacho. "A cautela recomenda, porém, que a questão seja submetida desde logo ao Egrégio Supremo Tribunal Federal."

O grande receio de Moro na ocasião era o de que o Supremo desmembrasse a Lava Jato. Sucedeu o oposto. Dias depois, o ministro Teori, morto num acidente aéreo em janeiro de 2017, decidiu devolver os três processos a Curitiba. Manteve em Brasília apenas as célebres planilhas da Odebrecht, que relacionavam os políticos beneficiários de propinas. A investigação seguiu o seu curso, com os resultados conhecidos.

Quer dizer: as novas gotas respingam no noticiário menos veneno do que zelo. Vai ficando claro que nem tudo é preto ou branco no caso das mensagens. Há uma zona cinzenta em que a falta de método de juiz e investigadores se mistura ao esforço para evitar que o combate à corrupção escorresse pelo ralo. Por sorte, ainda não apareceu uma gota de evidência de fabricação de provas. Reze-se para que não apareça, pois o material é vasto.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.