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Josias de Souza

Bolsonaro desarticula missão do novo articulador

Josias de Souza

24/06/2019 02h18

Após eletrocutar Onyx Lorenzoni, esvaziando as atribuições da Casa Civil, Jair Bolsonaro explicou o curto-circuito com singeleza. Certos ministros são mesmo como fusíveis, ele disse. Queimam-se para evitar que o presidente se queime.

Pois bem. Bolsonaro trocou o disjuntor. Atribuiu ao general Luiz Eduardo Ramos, novo ministro-chefe da Secretaria de Governo, a missão de cuidar da articulação política. Desde então, dedica-se a fabricar novos choques com o Legislativo.

No sábado, Bolsonaro queixou-se do projeto que o Congresso aprovou em maio para aprimorar as agências reguladoras. Afirmou que a proposta transfere do presidente para o Congresso a indicação de diretores das agências.

"Querem me deixar como a rainha da Inglaterra?", indagou Bolsonaro. "Esse é o caminho certo? Imaginem qual o critério que eles vão adotar!" Em poucas palavras, o presidente pronunciou muitas bobagens.

As agências viraram cabides nos quais políticos penduram apaniguados. A Lei Geral das Agências Reguladoras, que provoca urticária em Bolsonaro, proíbe a nomeação de dirigentes partidários e parentes de políticos.

Mais: O texto exige ainda que os diretores das agências tenham experiência profissional na área de cada agência. Melhor: cria um processo seletivo para que o presidente possa escolher cada dirigente a partir de uma lista tríplice.

O nome selecionado será submetido à aprovação do Senado, exatamente como já ocorre hoje. Ou seja: não é verdade que a escolha foi transferida para o Congresso. É falaciosa a insinuação de que o processo piorou.

De resto, se discorda da nova lei, a "rainha da Inglaterra" pode acionar sua caneta Bic para vetar a proposta. Bem verdade que corre o risco de assistir à derrubada do veto pelo Congresso. Mas sem esse risco o capitão seria imperador, não rainha.

Também no sábado, Bolsonaro reiterou a intenção de não levar ministérios ao balcão das barganhas políticas. Ótimo. Mas admitiu que seu governo aceita a indicação de políticos para cargos do segundo escalão.

Declarou: "Acontece. Nós temos que botar gente indicada por parlamentar. Nós sabemos quem está indicando. E se algo der errado, o parlamentar será convidado a conversar conosco." A coisa não é bem assim.

Em verdade, Onyx Lorenzoni recebeu indicações de nomes dos coordenadores das bancadas estaduais. Isso aconteceu há mais de três meses. E as nomeações não foram efetivadas. Pior do que criticar o toma-lá-dá-cá é prometer e não entregar.

É como se Bolsonaro quisesse subverter a Lei de Murphy, segundo a qual se alguma coisa pode dar errado, dará. Antes que o general Ramos tenha chance de mostrar que pode dar certo, o capitão cuida para que dê errado a nova articulação.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.