Topo

Josias de Souza

Bolsonaro ‘beija a cruz’ por acordo Mercosul-EU

Josias de Souza

28/06/2019 17h48

Jair Bolsonaro emitiu na cidade japonesa de Osaka a senha que eliminou o derradeiro entrave para a assinatura, em Bruxelas, na Bélgica, da histórica aliança de livre comércio entre Mercosul e União Européia. Num encontro com o presidente francês Emmanuel Macron, o capitão beijou a cruz do Acordo de Paris, comprometendo-se com o respeito às metas de redução de gases poluentes. Macron voara para o Japão disposto a travar o desfecho da negociação com o Mercosul caso Bolsonaro não afastasse de vez o risco de retirar o Brasil do acordo climático de Paris.

O gesto de Bolsonaro não foi banal. Marcou uma espécie de rendição do presidente brasileiro ao pragmatismo diplomático. Ele hesitava em reconhecer integralmente o Acordo de Paris desde a campanha presidencial de 2018. Na véspera, irritado com cobranças ambientais feitas pela premiê da Alemanha, Angela Merkel, Bolsonaro dissera que os alemães "têm a aprender muito conosco" em matéria de meio ambiente. Avisara que não desembarcara na reunião do G20 para "ser advertido por outros países". O ministro palaciano Augusto Heleno soara ainda mais corrosivo, recomendando a Macron e Merkel o seguinte: "Vão procurar a sua turma!"

Em Bruxelas, a delegação brasileira, comandada pelos ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Tereza Cristina (Agricultura), procurava acertar-se com a turma europeia. Numa troca de telefonemas, Bolsonaro foi alertado para o fato de que os comentários feitos em Osaka ecoavam na sala de reuniões de Bruxelas. Não restava ao capitão senão abraçar as metas de Paris, pois o respeito ao acordo climático está expressamente previsto no tratado comercial do Mercosul com a União Europeia.

Consumado o desfecho positivo, Bolsonaro foi às redes sociais para faturar a novidade como uma conquista pessoal. Deu de ombros para esforços realizados ao longo de duas décadas. Não mencionou o passado senão para magnificar o presente: "Histórico!", escreveu Bolsonaro. "Nossa equipe, liderada pelo embaixador Ernesto Araújo, acaba de fechar o Acordo Mercosul-UE, que vinha sendo negociado sem sucesso desde 1999. Esse será um dos acordos comerciais mais importantes de todos os tempos e trará benefícios enormes para nossa economia."

No final de 2018, após a vitória de Bolsonaro na disputa presidencial, o então futuro ministro da Economia Paulo Guedes ofereceu uma ideia da importância que o novo governo atribuiria ao bloco regional que agora entusiasma o capitão: "O Mercosul não é prioridade", disse o Posto Ipiranga a uma repórter do jornal argentino Clarín. "Você está vendo que aqui tem um estilo que combina com o presidente, que fala a verdade. A gente não está preocupado em agradar."

A arrogância era uma decorrência da desinformação. Sob Michel Temer, estreitaram-se as negociações do Mercosul com o bloco europeu. A coisa só não avançou porque o apodrecimento ético do governo Temer afugentou os parceiros. A gestão Bolsonaro encontrou a bola na marca do pênalti. Até Paulo Guedes percebeu que seria uma tolice não empurrar um bom acordo  comercial para o fundo da rede.

De resto, é imperioso registrar que o fechamento do acordo foi azeitado por ninguém menos que Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos ameaça impor barreiras tarifárias para produtos procedentes da Europa. Acossados, os países europeus passaram a enxergar o Mercosul com outros olhos. É como se dissessem para Trump: "Já temos para quem vender os nossos automóveis. E passaremos a comprar commodities  agrícolas do Brasil, não dos Estados Unidos."

Suprema ironia: Ao fechar a economia dos Estados Unidos o populista preferido de Bolsonaro ajuda a abrir o mercado do Brasil. Grande avanço. Resta saber onde o chanceler Ernesto Araújo, ministro da cota de Olavo de Carvalho, vai acomodar o seu discurso anti-globalismo. É cada vez menor o espaço para a encenação daquilo que o ex-ministro Santos Cruz chamou de "show de besteiras".

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.