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Josias de Souza

Moro já apoiou vazamento com um ‘propósito útil’

Josias de Souza

08/07/2019 00h50

Em artigo que escreveu antes da fama, sobre a italiana Operação Mãos Limpas, Sergio Moro defendeu clara e abertamente o vazamento de informações sigilosas quando a ação for motivada por um "propósito útil". Exatamente como propôs no caso do suborno que a Odebrecht pagou a autoridades da Venezuela, conforme notícia veiculada pela Folha, em parceria com o The Intercept.

No texto, escrito em 2004, Moro anotou que os responsáveis pela Operação Mãos Limpas "fizeram largo uso da imprensa." Segundo ele, a investigação "vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no 'L'Expresso', no 'La Republica' e outros jornais e revistas simpatizantes." Deu-se coisa semelhante na Lava Jato.

Moro acrescentou no artigo sobre a Itália: "Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva."

No caso exposto pela Folha e o Intercept, o então juiz Moro enviou mensagem ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa de Curitiba, sugerindo que vazasse dados que expunham o propinoduto por onde escorreram as verbas sujas da Odebrecht para autoridades da Venezuela. A delação estava protegida pelo sigilo. Um segredo chancelado pelo Supremo Tribunal Federal. A despeito disso, Moro e Dallagnol travaram o seguinte diálogo, em 5 de agosto de 2017:

— Sergio Moro: Talvez seja o caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre propinas na Venezuela. Isso está aqui ou na PGR?

— Deltan Dallagnol: Concordo. Há umas limitações no acordo, então temos que ver como fazermos. Mais ainda, acho que é o caso de oferecer acusação aqui por lavagem internacional contra os responsáveis de lá se houver prova. Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos.

— Moro: Tinha pensado inicialmente em tornar público. Acusação daí vcs tem que estudar viabilidade Deltan.

— Dallagnol, após enviar sinal de positivo peloTelegram: Não dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá pra enviar informação espontânea e isso torna provável que em algum lugar no caminho alguém possa tornar público. Paralelamente, vamos avaliar se cabe acusação."

O material vazou, como se lê na reportagem. A Odebrecht chiou. Procurado, Moro, agora acomodado na poltrona de ministro da Justiça, não quis comentar o teor da conversa com Dallagnol. Mandou a assessoria reiterar que "não reconhece a autenticidade das supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente." Depois, pendurou no Twitter um post no qual praticamente confirma o diálogo eletrônico, ironizando o teor da reportagem:

"Novos crimes cometidos pela Operação Lava Jato segundo a Folha de S. Paulo e seu novo parceiro, supostas discussões para tornar públicos crimes de suborno da Odebrecht na Venezuela, país no qual juízes e procuradores são perseguidos e não podem agir com autonomia. É sério isso?"

No artigo de 2004 —disponível na internet, sob o título "Considerações sobre a Operação Mani Pulite"—, Moro como que enalteceu os vazamentos. Disse que, na Itália, "a publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados…"

Moro admitiu que vazamentos podem produzir danos: "Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado." Mas deu de ombros: "Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios. As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação Mani Pulite."

Ironicamente, a divulgação em conta-gotas das mensagens tóxicas que lhe são atribuídas levaram Sergio Moro a reproduzir maquinalmente procedimentos que se tornaram habituais no dia a dia dos investigados da Lava Jato. Mal comparando, o ex-juiz vive pesadelo semelhante ao que atormentou vários dos seus sentenciados. Moro está sempre um passo atrás do próximo vazamento.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.