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Josias de Souza

Após férias ilegais, Câmara teve quórum de 7,6%

Josias de Souza

06/08/2019 00h02

Como se sabe, propostas de emenda à Constituição precisam ser aprovadas em dois turnos, com um intervalo de cinco sessões entre um turno e outro. Esse prazo é tecnicamente chamado de interstício. No caso da reforma da Previdência, ainda pendente de votação final na Câmara, faltam duas das cinco sessões regulamentares. Uma delas deveria ter sido realizada nesta segunda-feira (5) pós-recesso. Mas faltou quórum. Dos 513 deputados, apenas 39 marcaram presença.

Repetindo: escassos 7,6% dos deputados compareceram ao primeiro dia de trabalho depois do recesso. Para que a sessão fosse contabilizada, teriam bastado 51 presenças. Faltaram 12 parlamentares. O PSL, partido de Jair Bolsonaro, possui uma bancada de 54 deputados, dos quais apenas 13 deram as caras. Ou seja: o Planalto não conseguiu ou não teve interesse em mobilizar nem mesmo os integrantes da legenda do presidente da República.

O ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) declarou: "Retorno de recesso, segunda-feira, é sempre complicado. A gente sabe disso." Ele acredita que, nesta terça, o quórum será alcançado. Esse conformismo ofende o brasileiro comum, que molha a camisa todos os dias da semana e, quando consegue manter o emprego, só tem férias uma vez por ano.

O recesso parlamentar de julho não deveria existir, pois deputados e senadores já dispõem de férias hipertrofiadas entre o final de dezembro e o início de fevereiro. Como existe, o recesso deveria ter sido cancelado. Não bastasse a urgência da reforma da Previdência, há a LDO, Lei de Diretrizes Orçamentárias.

A Constituição determina que o Legislativo não pode sair em férias antes de votar a LDO. E ela não foi apreciada nem na Comissão de Orçamento. Quer dizer: as férias que os congressistas acabam de usufruir, apelidadas de "recesso branco", foram inconstitucionais.

Dizia-se que a Câmara concluiria a votação da emenda previdenciária antes do recesso. Não concluiu. E a maioria dos deputados enforcou uma semana de trabalho, adiantando o relógio das férias ilegais. O descanso deveria ter acabado em 1º de agosto. Não acabou. Dessa vez, os congressistas optaram por atrasar o relógio.

Rodrigo Maia ainda espera concluir a votação do segundo turno da reforma da Previdência nesta semana. Para que isso ocorra, será necessário aprovar um requerimento que dispense o prazo de cinco sessões. Do contrário, talvez falte quórum entre a noite de quarta-feira e a manhã de quinta, que ninguém é de ferro na Câmara.

Sob o regime patrimonialista brasileiro, conforme já foi comentado aqui, o Congresso não tem congressistas. Os congressistas é que têm o Congresso. Fazem o que bem entendem. No caso das férias e da flexibilidade do expediente, fazem frequentemente uma opção preferencial pelo escárnio.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.