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Josias de Souza

MPF dócil idealizado por Bolsonaro é pura ilusão

Josias de Souza

16/08/2019 04h44

No processo de escolha do sucessor da procuradora-geral da República Raquel Dodge, Jair Bolsonaro deixou-se enfeitiçar pelo pior tipo de ilusão que um presidente pode ter: a ilusão de que conseguirá presidir os rumos do Ministério Público Federal.  

Bolsonaro já declarou que busca um nome identificado com o seu ideário. Alguém que não seja um "xiita ambiental", que "não atrapalhe na questão das minorias", que trate de forma "adequada" as Forças Armadas, sem interferências. De resto, deseja que o substituto de Raquel Dodge seja avesso a holofotes.

Ainda que acomodasse uma alma gêmea na poltrona de Dodge, Bolsonaro não teria o sossego que ambiciona. A Constituição assegura autonomia institucional ao Ministério Público Federal. O órgão não integra nenhum dos três poderes. E os procuradores dispõem de autonomia funcional. Têm liberdade para agir segundo as suas convicções.

A julgar pelo que diz em privado, Bolsonaro comete um erro ginasiano: trata o Ministério Público Federal como extensão do Planalto. Desconsidera o fato de que o órgão zela pelos interesses da sociedade, não do governo. De resto, há uma característica que singulariza a Procuradoria. Ela não é como o Executivo, que precisa ser dotado de coerência interna, colocando todos a serviço do mesmo fim.

Nesta quinta-feira, ao adiar a escolha para as "próximas semanas, Bolsonaro referiu-se ao futuro procurador-geral sem levar em conta que sua superioridade hierárquica é, por assim dizer, relativa. "Não basta uma pessoa que tenha uma só virtude", declarou. "Como um todo, nós temos que botar o Brasil para frente."

Bolsonaro prosseguiu: "Você bota um cara, por exemplo, que a especialidade é o combate à corrupção. Daí tem a questão ambiental, como é que fica? Vai continuar como alguns no passado, atrapalhando essa área, que é importantíssima para o desenvolvimento do Brasil? Como fica a questão de minorias, questão indígena?"

O presidente parece ignorar que a autoridade do procurador-geral não se confunde com a de um presidente ou de um chefe convencional. Afora suas atribuições específicas, atua como espécie de coordenador. Não pode impor sua vontade. Não tem condições de assegurar que procuradores não vão contrariar o governo do capitão em processos relacionados a "meio ambiente", "índios" e "minorias". Dependendo do nome que escolher, Bolsonaro pode atiçar a corporação

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.