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Josias de Souza

STJ e TRF-4 avalizaram procedimento que anulou sentença de Moro no Supremo

Josias de Souza

01/09/2019 03h17

Ao anular a sentença da Lava Jato que condenara Adelmir Bendine por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal não constrangeu apenas o ex-juiz Sergio Moro. Contrariou também o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o Superior Tribunal de Justiça, que avalizaram o procedimento utilizado como pretexto para cancelar o veredicto. O blog percorreu as páginas do processo e de documentos relacionados à encrenca,

Os advogados do condenado recorreram ao Supremo para reclamar de um suposto erro processual. Alegaram que Bendine, como réu delatado, teria que levar sua última manifestação ao processo depois de conhecer as alegações finais dos réus que o delataram. Queixaram-se de "cerceamento de defesa" porque Moro abriu um prazo único para o pronunciamento de todos os réus. Por 3 votos a 1, a turma do Supremo deu razão aos defensores de Bendine.

A reclamação naufragara nas três primeiras instâncias do Judiciário. "A lei estabelece prazo comum para a apresentação de alegações finais" dos réus, anotou Sergio Moro em sua decisão. "Não cabe à Justiça estabelecer hierarquia entre acusados, todos com igual proteção da lei." O TRF-4 ecoou o então juiz. Relator da Lava Jato no STJ, o ministro Felix Fischer também endossou o entendimento de Moro.

Fischer sustentou: "Não há qualquer irregularidade apta a macular o feito de nulidade, inexistindo tanto no Código de Processo Penal ou mesmo na Lei número 12.850/13 [Lei das Delações], qualquer dispositivo que autorize eventual tratamento diferenciado entre corréus, seja colaborador o não."

O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, conduziu seu voto para o mesmo trilho: "O acusado, ao adotar postura colaborativa como meio de defesa, não passa a integrar o polo acusatório." Fachin acrescentou: "O exercício do direito de defesa por tais meios [as delações] não faz com que o agente colaborador integre a acusação ou que funcione como assistente do Ministério Público". Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia discordaram.

De acordo com a tese da defesa, a ausência de previsão legal não autoriza a Justiça a desconhecer o direito do réu delatado de falar no processo depois dos réus que o delataram. Nessa versão, prevaleceria o princípio constitucional que assegura aos acusados o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Felix Fischer, o relator da Lava Jato no STJ, considera "tentadora" a tese segundo a qual o instituto da delação teria produzido um "vazio normativo", a ser preenchido por um valor constitucional. Mas ele se contrapôs a essa visão em seu despacho. Para Fischer, o que há é uma "opção do legislador ordinário, a quem legitimamente compete, por força da mesma Constituição Federal, fixar os ritos processuais adequados."

Foi como se Fischer declarasse, com outras palavras, algo assim: "Criar leis é atribuição do Legislativo, não do Judiciário." Se desejasse diferenciar delatores de delatados, permitindo aos dedurados falar por último nos processos, o Congresso teria feito isso quando aperfeiçoou, em 2013, o mecanismo da delação. "O devido processo legal constitucional tem como norte a Carta Política [a Constituição], mas não sobrevive isoladamente sem observância da lei adjetiva, que é o instrumento legal qe lhe dá contornos", escreveu Fischer.

Em março de 2018, quando ainda dava expediente na 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro condenou Adelmir Bendine a 11 anos de cadeia por receber propinas de R$ 3 milhões da Odebrecht. A defesa recorreu ao TRF-4. Ali, a pena do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras foi reduzida para 7 anos, 9 meses e dez dias. Os advogados recorreram novamente. Faltava julgar este derradeiro recurso para que Bendibe fosse para a cadeia.

Prevalecendo o novo entendimento da Segunda Turma, o caso de Bendine fará o caminho de volta. Retornará  à 13ª Vara Federal de Curitiba, para que sejam refeitos os procedimentos finais do julgamento. Numa conta feita pela força-tarefa de Curitiba, a decisão da Segunda Turma provocará um efeito dominó com potencial para derrubar 32 sentenças. Juntas, envolvem 143 réus, entre delatores e delatados. Isso corresponde a 88% dos 162 condenados que a Lava Jato já sentenciou.

Num esforço para reduzir danos, Edson Fachin pediu uma manifestação do plenário do Supremo sobre a encrenca. Deseja reverter a decisão da Segunda Turma ou, no mínimo, aprovar algo que se pareça com um meio termo. Uma das hipóteses que estão sobre a mesa é a de restringir a anulação de sentenças aos casos em que os réus apresentaram recursos na primeira instância contra a fixação de prazos simultâneos para a apresentação das alegações finais de delatores e delatados. Ficaria entendido que, se não houve reclamação na origem, é porque os réus estavam satisfeitos com o rito processual.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.