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Josias de Souza

O que estraga ação anticorrupção é o ‘no entanto’

Josias de Souza

26/09/2019 01h11

É espinhoso o presente do maior e mais bem sucedido esforço anticorrupção já realizado no país. A Lava Jato enfrenta duplo ataque. Executivo e Legislativo tentam domar o futuro das investigações, sedando-as. O Judiciário ameaça rever o passado da operação, anulando sentenças. O brasileiro voltou a ser assaltado (ops!) por dúvidas incômodas: O desmantelamento dos esquemas veio para o bem ou para o mal? A descoberta da epidemia de corrupção significa que o Brasil não tem jeito ou, ao contrário, as condenações indicam que o país caminha rumo à moralização? Ora acredita-se numa coisa, ora noutra.  

É nesse contexto que será retomado nesta quinta-feira, no Supremo Tribunal Federal, o julgamento sobre as alegações finais de réus delatores e delatados. Durante cinco anos de Lava Jato, os corréus, colaboradores ou não, foram intimados a anexar simultaneamente aos autos suas últimas manifestações. De repente, um pedaço da Suprema Corte passou a achar que isso é um erro. Alega-se que os dedurados devem falar por último, sob pena de cerceamento do direito de se defenderem das acusações dos dedos-duros. A lei estabelece que o juiz deve fixar um prazo comum para a apresentação de alegações finais. No entanto…

No entanto, a Segunda Turma do Supremo decidiu, por 3 votos a 2, anular sentença em que Sergio Moro condenara Adelmir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, por corrupção e lavagem de dinheiro. A defesa de Bendine reclamara o dirieto de falar depois dos delatores. Perdeu em três instâncias. No Superior Tribunal de Justiça, o relator Félix Fisher soou categórico: "Não há qualquer irregularidade apta a macular o feito de nulidade, inexistindo tanto no Código de Processo Penal ou mesmo na Lei número 12.850/13 [Lei das Delações], qualquer dispositivo que autorize eventual tratamento diferenciado entre corréus." No entanto…

No entanto, a decisão da Segunda Turma no caso Bendine fez com que o relator da Lava Jato, Edson Fachin, levasse a encrenca para o plenário da Suprema Corte. Discute-se a mesma coisa —a ordem das alegações finais em processos com delatores—, só que num caso diferente. Dessa vez o interessado é um ex-gerente da Petrobras: Márcio de Almeida Ferreira. Foi condenado por Moro a a dez anos e três meses de prisão por corrupçãoe lavagem de dinheiro. Pede a anulação da sentença e a repetição do julgamento. A decisão valerá apenas para Márcio. No entanto…

No entanto, não está em jogo apenas o futuro de Bendine ou de Márcio. Nesta quarta-feira, na abertura do julgamento, o procurador-geral da República interino, Alcides Martins, fez um alerta ao Supremo. Disse que milhares de condenações podem ser revistas em todo país. Só na Lava Jato serão 32 sentenças, envolvendo 143 réus condenados. Mas o efeito dominó extrapolaria as fronteiras da operação anticorrupção. A lista de potenciais beneficiários incluiria de Lula a traficantes de drogas. No limite, até sentenças com trânsito em julgado, sem possibilidade de recurso, poderiam ser reabertas. Ao proferir seu voto, Fachin reiterou o entendimento segundo o qual a legislação não prevê o tratamento diferenciado entre os corréus. No entanto…

No entanto, o Supremo está dividido. Estima-se que a decisão aguardada para esta quinta-feira virá por um placar apertado. Noutros tempos, em questões relacionadas à Lava Jato, Fachin costumava prevalecer no plenário da Corte por 6 a 5. Mas sua colega Cármen Lúcia, que sempre acompanhava o relator, divergiu dele no julgamento que beneficiou Bendine na Segunda Turma. Não é negligenciável a hipótese de que a maioria dos ministros renda homenagens ao princípio constitucional da ampla defesa, reconhecendo o direito dos delatados de falar por último, depois dos delatores. Numa saída benigna, os ministros decidiriam que o novo entendimento, por inédito, valeria apenas para processos futuros. No entanto…

No entanto, o histórico recente do Supremo não estimula previsões que envolvam hipóteses otimistas. A condenação de portentos da oligarquia político-empresarial estimulara a sensação de que a Lava Jato seria um marco redentor no país. O brasileiro imaginou que estava diante de um processo de amadurecimento que levaria ao fim da impunidade. No entanto…

No entanto, o Brasil, embalado pela divulgação das mensagens trocadas no escurinho do Telegram por Moro e os procuradores de Curitiba, volta rapidamente a conviver com o risco de retornar a um passado em que a única consequência prática de um escândalo era produzir outro escândalo. A diferença é que agora não se discute mais a ausência de culpa. O que estraga o esforço anticorrupção é o 'no entanto'.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.