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Josias de Souza

Esnobada em Witzel foi terceiro gol de Gabigol

Josias de Souza

24/11/2019 18h01

Jogo dramático. Finalzinho do segundo tempo. No placar: River Plate 1 X 0 Flamengo. Súbito, Bruno Henrique passa para Arrascaeta. Gabigol observa. Arrascaeta toca para Gabigol. Bola açucarada. O artilheiro empurra com a canhota. Goooooool… Gol de Wilson Witzel. Já não se pode nem torcer em paz.

A torcida ainda exultava com o empate quando Diego lançou a bola na direção da área adversária. Ela voou. Hipnotizado, Pinola errou. A bola quicou duas vezes no gramado, como a insinuar-se novamente para o pé esquerdo de Gabigol. Chute certeiro e… Goooooool… Gol de Witzel.

O governador do Rio de Janeiro decidiu tirar uma casquinha do sucesso rubro-negro. Faria a macaquice que fosse necessária para grudar sua gestão precária no sucesso do Flamengo. Depois de encenar comemorações primitivas para as lentes de sua assessoria, deslocou-se da tribuna de honra para o gramado.

Ali, a macaquice produziu um mico. Witzel estendeu a mão para Gabigol. Foi correspondido. Entretanto, queria mais do que um simples cumprimento. Esboçou a intenção de lustrar-lhe a chuteira canhota. O artilheiro refugou a pantomima. Dando de ombros, seguiu em frente. Gooooool… Gol de Gabigol.

A TV Globo deveria oferecer a Gabigol a chance de pedir música no Fantástico. O craque não fez apenas os dois gols decisivos para a conquista da Taça Libertadores. Ao enquadrar Witzel, marcou um terceiro gol. Com os dois primeiros, fulminou o River. Com o terceiro, derrotou a hipocrisia.

Na campanha de 2018, o jornal esportivo Lance perguntou a Witzel qual é o time de sua devoção. E ele: "Sou, desde criancinha, corintiano. E vivi o Corinthians na Era Sócrates. Por isso, sou um grande democrata. Sócrates foi um marco na história do Corinthians, na história da democracia, do esporte e, como vivi aquele momento, acho que o Sócrates foi um grande exemplo".

Witzel também se considera um grande exemplo. Falta explicar de quê. Ainda no sábado, o governador corintiano postou nas redes sociais imagens do seu entusiasmo vira-casaca. Anotou na legenda: "Dia histórico! Ver meu time virar o jogo aos 40 do segundo tempo foi uma emoção sem igual…"

A despeito do vexame, Witzel não se deu por achado. Neste domingo, na volta para o Brasil, imiscuiu-se no voo da delegação flamenguista. Ao chegar, encostou novamente sua imagem tóxica no feito épico de Gabigol. Pendurou a imagem nas redes sociais. Mas o sorriso amarelo do craque não atenuou o mico da véspera.

Witzel não é o primeiro esperto a misturar política com bola. A coisa vem de longe. Os generais-ditadores já faziam isso com a seleção brasileira. Mas hábito de confundir estádio com palanque, do qual Jair Bolsonaro também é adepto, revela-se arriscado.

Nem todos os torcedores e jogadores convivem bem com a ideia de servir a algo mais além da glória da camisa do time. Até porque os interesses são, por vezes, conflitantes.

Nos momentos de glória, as arquibancadas do flamengo gostam de entoar um bordão: "Festa na favela." E é na favela que a política de segurança de Witzel, baseada na teoria do "tiro na cabecinha", mais assusta. Por ironia, a festa rubro-negra nas ruas do centro do Rio de Janeiro terminou num confronto entre a polícia de Witzel e os torcedores.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.