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Josias de Souza

Roubos na Petrobras expõem o Custo Pilhagem

Josias de Souza

13/10/2014 06h29

Os empresários costumam gritar contra o chamado 'Custo Brasil'. Alegam que a sobrecarga tributária e a ineficiência do Estado no provimento de infraestrutura atrapalham o empreendimento brasileiro. Verdade. Mas há outro tipo de custo travando o desenvolvimento nacional: o 'Custo Pilhagem'. Ele não aparece na gritaria porque o silêncio desobriga o empresariado de examinar a própria culpa.

Ao interrogar Paulo Roberto Costa na semana passada, o juiz Sérgio Moro quis saber o que levara as maiores empreiteiras do país a pagar propinas de 3% sobre o valor dos contratos obtidos na Petrobras. E o delator: "Essas empresas, Excelência, tinham interesses não só dentro da Petrobras, mas em vários outros órgãos de governo. Vários órgãos de governo a nível de ministério, a nível de secretaria, etc…"

Paulo Roberto explicou ao magistrado da Operação Lava Jato que os ministérios e suas secretarias são comandados por partidos políticos. E prosseguiu: "Então, se a empresa deixasse de contribuir com determinado partido naquele momento, isso ia se refletir em outras obras… Os partidos não iam olhar isso com muito bons olhos."

A corrupção convém a todos os atores, esclareceu o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, com naturalidade hedionda: "Seria um interesse mútuo dos partidos, dos políticos e das empresas, porque não visava apenas a Petrobras. Visava hidrovias, ferrovias, rodovias, hidrelétricas, etc. e etc…"

Houve alguma empresa que tenha se recusado a pagar a propina?, indagou o juiz a alturas tantas. "Não, nunca", respondeu, em timbre categórico, o petrodelator. Houveram [sic] alguns atrasos. Mas nunca tive conhecimento que deixaram de pagar, devido a esses interesses maiores a nível de Brasil."

Em tempos de ditadura, quando queria subjugar o Congresso, o governo fechava-o. Desde a redemocratização, compra-o. O Legislativo foi reduzido a um templo de trambiques. Tornou-se uma Chicago entregue aos caprichos de Al Capone. Dá-se à perversão o nome de governabilidade. Que é um eufemismo para safadeza.

Sérgio Moro perguntou a Paulo Roberto o que aconteceria se uma empreiteira deixasse de pagar pedágio aos partidos que (des)mandavam nas diretorias da Petrobras. O interrogado já havia declarado que um cartel de empreiteiras controla as grandes obras no país —dentro e fora da Petrobras. Diante da curiosidade do juiz, ele trocou a roubalheira em miúdos:

"Essas empresas tinham interesses em outros ministérios, capitaneados por partidos. São as mesmas empresas que participam de várias outras obras a nível de Brasil —ferrovias, rodovias, hidrovias, portos, usinas hidrelétricas, saneamento básico, Minha Casa, Minha Vida. Ou seja: todos os programas, a nivel de governo, nos ministérios, têm políticos de partidos. Se você cria um problema de um lado, pode-se criar um problema do outro. No meu tempo lá, não lembro de nenhuma empresa que tenha deixado de pagar."

O que impressiona no esquema de corrupção montado na Petrobras é o seu total desprezo por proporção, medida, recato, limite. Diz-se que só o doleiro Alberto Youssef, operador do pequeno PP, lavou algo como R$ 10 bilhões em verbas sujas. Difícil imaginar quanto terão desviado o PT e o PMDB, sócios majoritários da sociedade anônima governista.

No interrogatório de Youssef, o juiz perguntou se as licitações na Petrobras foram fraudadas. "Havia um acerto entre as empresas", respondeu o doleiro. "Quando saía um pacote de obras na Petrobras as empresas, entre elas, tratavam de se relacionar e obter quem ia ser o ganhador daquela obra." E se não pagasse a propina? "Se não pagasse, tinha a ingerência política, e do próprio diretor… Não fazia a obra se não pagasse."

Mas isso era dito para a empresa?, indagou o magistrado. "Era bem colocado, sim, Excelência. Muito bem colocado." E quanto ao percentual, era negociado contrato a contrato? "Sim, contrato a contrato." Voz pausada, Youssef foi didático. "…Tinha os pacotes maiores, que eram tratados com as empresas de grande porte. E os contratos de médio porte, que eram tratados com empresas de médio porte. E os pacotes pequenos, que a gente nem tomava conhecimento."

O brasileiro otimista costuma enxergar as costumeiras erupções de lama que engolfam a política como fenômenos benignos. O acúmulo de roubos, um se sucedendo ao outro, seria um sinal de que o Brasil apura os crimes do poder, avançando no caminho da moralidade. Tolice.

Para que essa suposição fosse levada a sério, o impeachment de Collor teria de ser retratado nos livros como um marco redentor. A nação jamais voltaria a ser a mesma. Deu-se, porém, o oposto. Desde então, o Brasil afunda-se em seus mais insanáveis vícios. Sobrevieram escândalos em série: anões do Orçamento, Sudam, mensalão do PT, mensalão do PSDB mineiro, mensalão do DEM de Brasília…

Imaginou-se que a presença da cúpula do PT atrás das grades fosse inibir novas delinquências. Qual nada! Mal secaram as delubianas fontes, chega às manchetes o petrolão. Numa ponta, os corruptos da política. Noutra, os corruptores da grande empreita. No meio, delatores desesperados.

No curso do interrogatório de Paulo Roberto Costa, o doutor Sérgio Moro pediu ao ex-diretor da Petrobras, hoje um corrupto confesso, que declinasse os nomes dos seus contatos nas empresas do "cartel". O juiz recitava as logomarcas e o delator dava nome aos bois. Camargo Corrêa: Eduardo Leite (vice-presidente comercial); OAS: Léo Pinheiro (presidente); UTC/Constran: Ricardo Pessôa (presidente)…

Os nomes pingavam dos lábios de Paulo Roberto com fluidez inaudita. Odebrecht: Rogério Araújo (Desenvolvimento de Negócios) e Márcio Faria (executivo da Odebrecht Óleo e Gás); Queiroz Galvão: Ildefonso Colares Filho (presidente); Toyo Setal: Julio Camargo (diretor); Galvão Engenharia: Erton Medeiros Fonseca (presidente de Engenharia Industrial); Andrade Gutierez: Paulo Dalmazzo (presidente de Óleo e Gás); Engevix: Gerson Almada (presidente).

Todos os citados, naturalmente, negam o cometimento de crimes. Nem precisariam se dar ao trabalho. Ainda que admitisse a culpa, como qualquer pivete que alega roubar para sobreviver, um executivo de empreiteira poderia invocar em sua defesa as próprias circunstâncias.

A culpa é do sistema que obriga o empreiteiro a ser o que é, com todas as facilidades que lhe dá, a impunidade que lhe garante, a cumplicidade que lhe oferece e o sucesso com que o premia. Não fosse a fraqueza dos delatores, não haveria nem mesmo o dissabor dos 15 segundos de má-fama. E a escandalosa aliança do banditismo empresarial com o amoralismo político continuaria desobrigada de examinar suas culpas pelo 'Custo Pilhagem'.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.