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Josias de Souza

Renan cria MSV, Movimento dos Sem Verdade

Josias de Souza

19/07/2015 20h28

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Renan Calheiros levou ao ar na internet e na TV Senado um pronunciamento de quase 17 minutos. O conteúdo vale por um manifesto. Nele, Renan lança, por assim dizer, a plataforma do que pode vir a ser batizado de MSV, o Movimento dos Sem Verdade.

A crise que engolfa o o governo de Dilma Rousseff tornou-se um latifúndio improdutivo que o presidente do Senado invadiu para reivindicar uma imediata reforma semântica.

A crise desenvolveu em Renan, com a velocidade de truque cinematográfico, um novo senso estético: "Estamos na escuridão, assistindo a um filme de terror sem fim e precisamos de uma luz indicando que o horror terá fim", o sem-verdade a certa altura. "O país pede isso todos os dias."

De fato, o brasileiro se esforça para enxergar uma luz no fim do túnel. Mas a Operação Lava jato, que tem em Renan um dos seus mais notáveis investigados, indica que roubaram o túnel. A luz virou pus. Reforma semântica já!

A crise fez de Renan um agitador com máscara apocalíptica. Ele trama invadir a conjuntura do segundo semestre armado de CPIs e de uma foice de vetos presidenciais. "Não diria que será um agosto ou setembro negro, mas serão meses nebulosos, com a concentração de uma agenda muito pesada. Cabe a todos nós resolvê-la."

Antes de resolver a agenda nacional, Renan terá de solucionar um problema pessoal. A força-tarefa da Lava Jato já sabe o que os sem-verdade fizeram nos verões passados. Vem aí muita surpresa, espanto, choque, confusão e sim, senhor, quem diria?!

Na semana passada, a reação de Renan à batida dos federais na Casa da Dinda, de Fernando Collor, explica sua ânsia por uma imediata reforma semântica. Com a verdade cerceada, o máximo que o senador tem conseguido cultivar é uma horta de verdades que se esqueceram de acontecer (pode me chamar de mentiras).

"Causam perplexidade alguns métodos que beiram a intimidação", disse o sem-verdade na semana passada, por exemplo, ao se referir às operações de busca e apreensão escoradas em mandado judicial subscrito por três ministros do STF.

A crise deu a Renan a sensação de que sua preocupação é útil. O ajuste fiscal do governo, disse ele, "é insuficiente e tacanho". Sem crescimento, o ajuste "é cachorro correndo atrás do rabo", acrescentou.

Acampado à margem de um governo ao qual sempre serviu como posseiro de glebas do Estado, Renan rega soluções que plantou na sua hortinha de pseudoverdades.

"É preciso cortar. Cortar ministérios, cortar cargos comissionados, enxugar a máquina pública, fazer a reforma do Estado e ultrapassar, de uma vez por todas, essa prática superada da boquinha e do apadrinhamento."

Renan manteve o apadrinhamento do amigo Sérgio Machado na Petrobras por arrastados 12 anos. Não fosse pela Lava jato, seu afilhado ainda estaria fincando raízes na boquinha da Transpetro.

O discurso do enxugamento não orna com a plataforma do Movimento dos Sem Verdade. se ajusta aos lábios do sem-verdade. Daí a urgência de uma reforma semântica que transforme oportunismo em outro nome para patriotismo.

A crise aguçou a percepção de Renan. Até ontem, sob orientação do pai, Renan Filho disputava o governo de Alagoas enganchado em Dilma Rousseff. Eleito em primeiro turno, pegou em lanças pela reeleição de Dilma (repare no vídeo abaixo). Agora, o patriarca dos Calheiros cospe no prato no qual já não vale a pena comer.

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"Várias portas estão se fechando para o governo", constatou Renan. "A aprovação popular [de Dilma] dispensa comentários. Temos uma crise política. Uma crise econômica. Temos também uma crise de credibilidade porque o sistema é presidencialista."

Renan invade o latifúndio improdutivo que coabitava até bem pouco atrás de confusão, não de solução. Aos sem-verdade não interessa trabalhar com a verdade. Eles querem ajustar as palavras às suas verdades improdutivas. A crise ajuda a alcançar esse objetivo.

Sem a crise, faltaria assunto. E os sem-verdade seriam obrigados a tratar de temas menos palpitantes. Assuntos como —ah…, vejamos…— a roubalheira na Petrobras. Renan, por exemplo, poderia dizer algo mais elaborado do que "a investigação técnica, isenta vai mostrar tudo que venho reiterando desde o primeiro dia. Não tenho nenhuma relação com o que está sendo investigado."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.