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Josias de Souza

Temer escora seu discurso nos erros de Dilma

Josias de Souza

31/08/2015 17h01

Alguém já disse, não me lembro quem, que os vices são como ciprestes: só crescem à beira dos túmulos. Num instante em que 66% dos brasileiros acham que o Congresso deveria abrir um processo de impeachment contra Dilma Rousseff, Michel Temer desabrocha. O vice exibe um discurso cada vez mais frondoso. Sua retórica é alicerçada sobre os erros de Dilma.

A tentativa frustrada de Dilma de ressuscitar a CPMF adubou, por assim dizer, os argumentos de Temer. Contrário à volta do tributo desde o primeiro telefonema que recebeu de Dilma para tratar da matéria, o vice firmou-se como contraponto.

O país "não suporta mais" o aumento da carga tributária, disse Temer nesta segunda-feira, em encontro com empresários. Não se pode retirar tributos da cartola "de última hora", acrescentou. "O que a sociedade não aplaude é o retorno repentino de um tributo, como ocorreu com a CPMF."

Temer repetiu algo que dissera a Dilma: se insistisse na volta da CPMF, o governo sofreria uma derrota fragorosa no Congresso. "E a essa altura do campeonato, não podemos nos dar ao luxo de uma derrota fragorosa", lecionou Temer, que presidiu a Câmara três vezes.

Sem mencionar a dificuldade de Dilma em lidar com a autocrítica, Temer declarou: "O governo vem fazendo o possível. Pode errar, mas acho que a melhor coisa a se fazer quando erra é confessar o equívoco."

Temer repisou a tecla da união nacional. Ele exumou a entrevista que abriu uma fenda nas suas relações com o gabinete de Dilma —aquela em que, há três semanas, o vice reconheceu a gravidade da crise e disse que "é preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos".

Temer disse aos empresários que só concedeu aquela entrevista porque farejou derrota que o governo sofreria na Câmara. Alguém precisava alertar o país sobre "a gravidade da crise", disse ele. E ninguém fizera isso antes, realçou.

Para Temer, o governo tem de ouvir as ruas e reconstruir sua coligação congressual. Num instante em que Dilma é hostilizada até por seus aliados, Temer sentenciou: "Se não houver apoio político, não se consegue governar." Numa hora em que apenas 8% dos brasileiros aprovam Dilma, o vice acrescentou: "E não basta o apoio político. Tem que ter o apoio dos setores sociais".

Aos pouquinhos, Temer vai assumindo o papel de cipreste.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.