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Josias de Souza

Investigado, Renan trama contra investigações

Josias de Souza

16/07/2016 03h20

A pretexto de fazer um balanço do semestre legislativo, Renan Calheiros divulgou um pronunciamento na TV Senado. Na peça, fez autoelogios, trombeteou prioridades controversas e reiterou ameaças legislativas à Lava Jato. Alvo da operação, protagonista de inquéritos em série no STF, Renan trama, por exemplo, alterar a lei que regulamenta a delação premiada.

Disse Renan: "Com a responsabilidade de quem aprovou a delação, devo dizer que, quando a delação não for comprovada e for vazada para constranger, com o réu preso, com as contas bloqueadas e a família desesperada, quando for apenas para livrar o bandido da cadeia, para trocar personagens, contar narrativas mentirosas, citar fatos que não têm nada a ver, apenas para lavar o dinheiro pilhado, como algumas delas, evidentemente a pena precisa ser agravada e a delação até desfeita."

O presidente do Senado investe contra a Lava Jato num instante em que a operação começa a arrombar os salões do PMDB. Nunca a elite empresarial e política esteve tão ameaçada como agora. Corrupção passou a dar cadeia. O pânico do cárcere solta a língua dos transgressores. E as colaborações judiciais tonificam as investigações.

Renan se queixa das delações feitas por presos. A maioria dos delatores da Lava Jato abriu o bico fora do xilindró. Ironicamente, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, afilhado politico de Renan, não precisou fazer escala no cárcere para suar o dedo contra a cúpula peemedebista.

O mandachuva do Senado reclama também da complacência com as falsas delações. Conversa mole. Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato, anulou os benefícios concedidos a um delator que mentiu em depoimento sobre o ex-ministro petista José Dirceu. Graças a essa decisão, voltou para cadeia o empresário e lobista Fernando Moura, condenado a 16 anos e dois meses de prisão.

"Não se trata de tratamento severo, pois o colaborador que mente, além de comprometer seu acordo, coloca em risco a integridade da Justiça e a segurança de terceiros que podem ser incriminados indevidamente", anotou Moro na sentença. "Considero os seus depoimentos, portanto, apenas como uma confissão da prática de crimes por ele mesmo."

Renan voltou a brandir a espada que mantém sobre a cabeça de Rodrigo Janot, chefe do Ministério Público Federal. "O Senado recebeu dez pedidos de afastamento do procurador-geral da República por variadas razões", afirmou, sem especificar as alegações. "Eu arquivei cinco deles, por ineptos. Os demais estou analisando e pedi um parecer da Advocacia-Geral do Senado. Vamos aguardar a manifestação jurídica e técnica para decidir, amparados na lei."

Em seu pronunciamento, Renan reitera a intenção de levar a voto o projeto que pune o "abuso de autoridade". "Em torno desse tema, é normal que assim seja, há mais malícia do que notícia", afirmou, como a puxar a orelha da imprensa que o imprensa. A proposta encontrava-se na gaveta desde 2009. Agora, sob o crivo das autoridades, Renan avalia que o tema "está maduro para deliberação". Promete "votá-lo na segunda semana de agosto." Sugere até o nome de uma relatora: a deputada Simone Tebet (PMDB-MS).

Os planos de Renan foram ao ar nas pegadas de uma palestra do juiz Sérgio Moro na American University, em Washington, nos Estados Unidos. O magistrado declarou que o Brasil dispõe de leis anticorrupção modernas e eficientes. O problema está no trâmite dos processos. Segundo ele, o país não tem tradição de punir crimes do poder. Moro costuma lembrar que, na Itália, a célebre Operação Mãos Limpas levou a oligarquia política a alterar a legislação para dificultar o desbaratamento dos crimes. Corre-se o mesmo risco no Brasil.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.