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Josias de Souza

Falta a Temer o piso de 308 votos para aprovação da PEC do teto dos gastos

Josias de Souza

20/08/2016 04h34

A poucos dias de ser efetivado na Presidência da República, Michel Temer está às voltas com um problema político-arquitetônico. Envolve piso e teto. Para impor limites às despesas públicas, Temer enviou à Câmara uma PEC —proposta de emenda constitucional— que proíbe a expansão do pé-direito do Orçamento da União em patamares superiores à inflação do ano anterior. Mas seu governo não alcançou, por ora, o piso mínimo de 308 votos necessários para aprovar na Câmara o teto dos gastos.

Nesta sexta-feira (19), Temer reuniu no escritório paulista da Presidência os ministros econômicos e a nata do governismo parlamentar. Conversaram sobre o Orçamento de 2017 e a emenda do teto. A reunião transcorreu contra um pano de fundo que trazia gravado, em tinta cintilante, o número mágico: 308 votos.

Em cem dias de interinidade, a matéria mais importante que Temer submeteu à apreciação da Câmara foi a proposta de renegociação das dívidas dos Estados com a União. Continha duas contrapartidas: a implantação do teto de gastos também nos Estados e o congelamento dos salários e das contratações por dois anos. Passou por 282 votos a 140. E o governo teve de dobrar os joelhos, retirando do texto o artigo que enfiava os salários dos servidores no freezer.

O placar decepcionou o Planalto. Depois de fazer todas as vontades dos aliados no balcão da fisiologia, o governo imaginava estar mais bem-posto na Câmara. Mesmo fazendo concessões, aprovou apenas o texto-base da proposta sobre as dívidas estaduais. Os deputados ainda terão de apreciar as emendas penduradas nesse texto antes de enviá-lo ao Senado.

De posse da lista de deputados fujões e traidores, o Planalto terá atuar sobre eles para alcançar o patamar de 308 votos, mínimo necessário para emendar a Constituição. Os inimigos da emenda do teto alegam que ela vai reduzir o orçamento de setores que já estão no osso —educação e saúde, por exemplo.

Hoje, as propostas de Orçamento da União são maravilhosas para serem executadas por Alice no Brasil dos espelhos. Quando falta dinheiro, os congressistas engordam artificialmente a previsão de receitas. Com o teto, a ficção acaba. Para destinar mais verbas a determinado setor, será necessário retirar de outro.

Na reunião de São Paulo, ficou decidido que o governo aplicará o teto já na proposta de Orçamento de 2017. Com isso, o limite para o crescimento das despesas federais será a inflação de 2016, estimada em 7,2%. Por imposição legal, o governo precisa remeter a proposta orçamentária ao Congresso até 31 de agosto. E tenta dar ao teto a aparência de fato consumado.

Tomado pelos recuos que protagonizou e pelos reajustes salariais que liberou para 14 corporações de servidores, Temer passou a impressão de que, se fosse um arquiteto, seria daqueles que, quando o projeto começa a desandar, diz algo assim: "Não se preocupem, depois a gente coloca umas plantas." O rigor fiscal de Temer parece crescer na proporção direta da aproximação do dia da deposição de Dilma.

Na noite de quarta-feira, em jantar no Palácio do Jaburu, o grão-tucanato deu uma chacoalhada em Temer. Aécio Neves recordou o discurso de posse que a morte impediu seu avô Tancredo Neves de ler no dia da posse. Abria assim: "É proibido gastar". Líder do PSDB na Câmara, o deputado Antonio Imbassahy (BA) realçou que todas as reformas pretendidas por Temer envolvem mexidas na Constituição. O que torna o governo escravo do número mágico: 308 votos.

Os tucanos soaram dramáticos. Um deles disse que o governo Temer acaba no nascedouro se a emenda do teto dos gastos não passar. Derrotado nessa matéria, o Planalto tampouco teria votos para aprovar reformas como a da Previdência. E o mercado, que ensaia uma reação, levaria o pé atrás, criando uma atmosfera de desconfiança que faria de Temer uma versão masculina de Dilma. O projeto de saneamento fiscal iria para o beleléu. E não restaria a Temer senão encomendar os vasos de plantas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.