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Josias de Souza

Falta ao governo Temer uma voz, não porta-voz

Josias de Souza

26/09/2016 05h04

Governos confusos têm uma estranha mania. Além de não resolver as dificuldades existentes, criam problemas que não precisariam existir. Nesse exato instante, a gestão Temer oferece um exemplo ilustrativo, com a momentosa questão do porta-voz. Falta um porta-voz ao governo, concluíram o presidente e seus principais auxiliares. O que falta a este governo é um porta-voz, ecoam parlamentares governistas. De repente, o noticiário está tomado pela gritante falta do porta-voz.

É possível que o João das Couves, um dos 12 milhões de brasileiros desempregados, já tenha comentado com a patroa na hora do jantar: "O que está faltando a este governo é um porta-voz." Convidado por Temer, um jornalista especializado em gestão de crises refugou a missão. Mas entregou ao presidente um plano a ser executado pelo futuro porta-voz, para que o governo passe a se comunicar adequadamente com a sociedade.

A essa altura, o país já está impregnado da falta do porta-voz. Todos anseiam por ele, sofrem com sua falta ausência. Convém recordar como tudo começou. O ministro da Saúde disse um par de tolices. O ministro do Trabalho se enrolou na própria língua ao falar sobre reforma trabalhista. O titular da Casa Civil meteu-se na seara do czar da Fazenda. Os auxiliares de Temer se desentendem sobre a data do envio da proposta de reforma da Previdência ao Congresso. Foi contra esse pano de fundo que surgiu a novidade de que Temer nomearia um porta-voz.

Imaginar que um porta-voz dará uniformidade a um governo tão desuniforme é supor que o problema do doente pode ser resolvido retocando as manchas da radiografia. A realidade é que há no ermo da Brasília pós-impeachment um vozerio desconexo. Faltam estabilidade monetária, equilíbrio fiscal, empregos e ética. Admita-se que Temer nomeie um porta-voz. No dia seguinte, a inflação e os gastos públicos continuarão altos. Os empregos não reaparecerão. E não haverá um surto de honestidade na República.

O que falta ao governo é funcionalidade e uma voz de comando capaz de inspirar esperança. Sem ela, um porta-voz se limitará a rogar diariamente para que todos creiam em tudo o que ele foi capaz de ver com estes olhos que a imprensa haverá de comer.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.