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Josias de Souza

Setor de figurantes da PF roubou (ops!) a cena

Josias de Souza

22/10/2016 20h39

Sergio Moro declarou no início do ano que a "Lava Jato não é seriado de TV, que tem que ter capítulo toda semana." Hoje, porém, a operação produz capítulos numa profusão típica de novela diária. A plateia, cada vez mais familiarizada com os personagens, aplaude o desempenho do juiz-protagonista e dos coadjuvantes do núcleo de investigação. Vibra com as prisões de Cunhas e Paloccis. E se diverte com o núcleo de figurantes da Polícia Federal, cujo papel parece ser o de injetar uma dose de comédia na tragédia.

Nos últimos dias, descobriu-se que Newton Ishii, o 'Japonês da Federal', livrou-se de sua tornozeleira eletrônica mais cedo do que o previsto. Tomado pela ficha funcional, Ishii está mais próximo dos vilões que escoltou até a carceragem de Curitiba do que do quadro de servidores da PF. Em 2003, foi preso por colegas acusado de facilitar a entrada de contrabando na fronteira com o Paraguai. Amargou dois meses de cana. Condenado, recorreu.

Ishii saiu da PF e reintegrou-se à instituição. Em março passado, o STJ confirmou sua condenação: quatro anos e dois meses de cadeia, no regime semiaberto. Ganhou tornozeleira. Mas não perdeu o emprego. Aliviou o tornozelo porque, a cada três dias de expediente na PF, subtraiu um dia com o adereço eletrônico.

No Carnaval, as máscaras de Ishii fizeram concorrência às de Sergio Moro. Depois da condenação, a diversão confundiu-se com avacalhação. Súbito, o departamento de figurantes da PF escalou outros agentes para conduzir os vilões da Lava Jato até a República de Curitiba. Nesta semana, irrompeu em cena Lucas Valença, uma mistura de 'hipster' com lenhador. Virou subcelebridade instantânea depois de conduzir Eduardo Cunha pelo braço. Bombou no Facebook e no Instagram, onde aparece de torso nu. O sucesso levou-o a veicular um vídeo neste sábado. Termina assim:

"Queria agradecer a todo mundo que está seguindo e mandando mensagem de apoio, de carinho, e dizer que, realmente, estou honrado de ter participado desse momento histório. É isso aí. Valeu."


Pessoas que fazem história nem sempre têm uma sensibilidade à altura dos seus feitos. Ou têm, mas não conseguem expressá-la. Considerando-se a frequência com que o departamento de figurantes da PF vem roubando (ops!) a cena na Lava Jato, o comando da institução deveria reservar uma verba para a contratação de dublês.

Assim como existem os dublês que substituem os atores nas cenas de perigo, deveria haver intelectuais para substituir os agentes da figuração na hora de expressar emoção. Eduardo Cunha está longe de ser o detento mais importante da novela. Prisões mais notáveis estão por vir.

No quesito aparência, o Lenhador da Federal cumpre bem o seu papel. Mas há momentos em que a boa frase é essencial. De duas, uma: ou a PF restabelece a compostura, devolvendo o setor de figurantes à insignificância de praxe, ou providencia alguém com menos tórax e mais reflexão para substituir o lenhador na hora em que ele tiver que se deslumbrar com os grandes momentos que estão por vir.

– Atualização feita às 12h05 do dia 25 de outubro de 2016: O blog recebeu manifestação da federação que representa os policiais federais sobre o tema tratado no post. Vai abaixo a íntegra do texto:

AspasPequenasSobre a polêmica envolvendo o agente Lucas Valença, a Federação Nacional dos Policiais Federais – Fenapef esclarece que a forma de dar cumprimento ao mandado de prisão e a seleção dos policiais para a missão é determinada pela chefia de um delegado. A ordem de missão que os agentes cumprem determina o traje que é usado na operação, se ostensivo (farda) ou discreto (roupa social), e essa ordem é assinada pelo chefe, que é um delegado federal. É praxe que as prisões, sobretudo, de figuras públicas e poderosas, devem ser feitas de maneira discreta para evitar a fuga dos suspeitos. O que a Federação tem a dizer sobre o episódio é que a repercussão popular em torno de um dos agentes pode ter causado mal-estar entres os delegados da Lava Jato, que não querem rivalizar os holofotes. Indício disso é que, após a visibilidade que o agente Lucas Valença obteve, baixou-se determinação para que todos os agentes passassem a usar capuz (balaclava) na condução de Eduardo Cunha para Curitiba."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.