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Josias de Souza

Lula renega tríplex, mas se apropria de metáfora

Josias de Souza

15/05/2017 02h20

Suprema ironia: no mesmo depoimento em que negou ser proprietário do tríplex que a Procuradoria diz ter sido presentado pela OAS, Lula se apropriou de metáfora alheia. Espremido por Sergio Moro, o réu usou "vaso chinês" como adjetivo, significando ultrapassado. Como em: "…Um ex-presidente vale tanto quanto um vaso chinês." Esse raciocínio tem dono. Não pertence a Lula.

O pajé do PT repetiu para o juiz da Lava Jato algo que ouviu de Fernando Henrique Cardoso. O rival tucano gosta de recordar, entre risos, uma frase que diz ter escutado do líder socialista espanhol Felipe González: ex-presidentes são como vasos chineses. Todo mundo acha lindo. Mas ninguém sabe onde colocar.

Lula valeu-se da apropriação indébita quando Sergio Moro lhe perguntou que providências havia tomado ao verificar, em 2014, ano inaugural da Lava Jato, que um esquema criminoso se apossara da Petrobras com o propósito de desviar verbas para agentes políticos e partidos, inclusive o PT.

"Eu já estava fora da Presidência há quatro anos", esquivou-se Lula. "E o senhor sabe que um ex-presidente vale tanto quanto um vaso chinês. Um vaso chinês é um vaso bonito que você ganha quando é presidente. Quando você deixa a Presidência, você não tem onde colocar ele. Você não sabe como cuidar de um ex-presidente. Você não sabe como cuidar do tal vaso chinês."

Com sua influência no PT, solicitou uma apuração interna?, quis saber Sergio Moro. E Lula: "…Eu não tenho nenhuma influência no PT." Deve ter sido difícil para procuradores e advogados presentes à sala de audiência da Justiça Federal do Paraná ouvir Lula falar sobre sua insignificância no PT sem reprimir um sorriso interior. Uma voz deve ter gritado no fundo da consciência de cada um: "Heim?!?"

A metáfora de González fazia muito sentido para FHC. Depois que deixou o Planalto, em 2002, o ex-presidente tucano foi mesmo tratado pelo PSDB como um vaso chinês. Enfiaram-no num armário, no quartinho de despojos. Só depois de levar três surras nas urnas o tucanato redescobriu FHC, devolvendo-o à sala-de-estar da legenda.

Com Lula, deu-se o oposto. Quem vê os petistas se benzendo e fazendo um variado número de gestos e genuflexões sempre que estão diante de sua divindade logo percebe que, para os membros da seita, Deus não morreu só porque deixou a Presidência da República. Apenas ganhou a forma de um vaso chinês. Um vaso que não deve contas senão à sua própria noção de superioridade.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.