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Josias de Souza

Mediocridade e acaso conduzem Joesley à cana

Josias de Souza

10/09/2017 13h44

Joesley Batista é ao mesmo tempo um típico capitalista brasileiro -grosso modo falando- e uma vítima da tecnologia. Conseguiu manusear a senha do cofre do BNDES. Mas não aprendeu a lidar com a tecla On-Off do gravador. O linguajar tosco foi a glória e a derrocada do dono da JBS. Sabia fazer amigos, cúmplices e dinheiro —muito dinheiro. Mas não conseguiu fazer boas frases. Suas últimas palavras antes da decretação de sua prisão foram: "Cê tem certeza que esse troço tá desligado, Ricardinho?!?"

O áudio-trapalhão que Joesley entregou à Procuradoria, aparentemente sem saber, traduz magnificamente o personagem. Mentor da delação mais lucrativa da Era da Lava Jato, Joesley não teve uma sensibilidade à altura do seu feito. Para sorte dos brasileiros, tudo ficou claro na "conversa de bêbado" que o personagem teve com seu empregado Ricardo Saud.

Arrojado, Joesley se auto-impôs uma meta ambiciosa: "Nós temos que ser a tampa do caixão. (…) Nós vai ser quem vai dar o último tiro. Vai ser quem vai bater o prego da tampa." Desastrado, o empresário contou para o gravador que chegaria à premiação máxima da imunidade penal tomando o atalho da ilegalidade. Pulou para dentro do caixão ao declarar-se "100% alinhado" com um ex-procurador da equipe de Rodrigo Janot, perfeitamente familiarizado com as mumunhas da Lava Jato.

Se adivinhasse o seu destino, Joesley talvez tivesse investido o dinheiro do BNDES numa fábrica de gravadores. Daria menos lucro do que a picanha. Mas produziria equipamentos mais, digamos, confiáveis. Outra alternativa seria a contratação de dublês para substituir os delatores da JBS nas cenas de perigo.

O ministro Edson Fachin talvez poupasse Joesley 'Stalone' Batista da cadeia se o protagonista tivesse sido substituído na hora do close defronte do gravador por alguém com menos aptidão para o uísque e melhor dicção.

Quando Ricardinho perguntasse sobre Marcelo Miller, o dublê se espantaria: "Heimmmm? Quemmm?" Na hora em que o empregado mencionasse a hipótese de atrair ministros do Supremo para a lama, o dublê chamaria o garçom: "Água, por favor."

O que mais assusta no autogrampo que captou a desfaçatez de Joesley e Saud é a sua banalidade perversa. As manobras, os estratagemas, os subterfúgios, nada disso surpreende o brasileiro. A essa altura, a plateia já aprendeu que, no vácuo moral em que trafegam os negócios do Estado, o cinismo é a regra. O que deixa todo mundo transtornado é a constatação de que a punição do bandido depende do acaso.

Joesley e seu subordinado estão sendo encarcerados temporariamente pelo excesso de mediocridade, não por terem sido desmascarados pelo aparato investigatório do Estado. Encrencaram-se porque se portaram como bárbaros embriagados diante de um gravador que não sabiam operar. A plateia se pergunta: quem deterá os usurpadores que souberem a diferença entre 'on' e 'off'?

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.