Topo

Josias de Souza

Dodge precisa demarcar o terreno rapidamente

Josias de Souza

18/09/2017 04h17

Finalmente, o jogo começou para Raquel Dodge. Existe uma grande curiosidade nas arquibancadas para saber como ela se comportará em campo. A conjuntura provoca apreensão: corrupção endêmica, Legislativo apodrecido, Executivo carcomido e Judiciário politizado. Com a Lava Jato sob ataque, a nova procuradora-geral da República precisa adotar nos primeiros minutos de sua gestão um estilo que destoa de sua aparência de frágil senhora.

Raquel Dodge faria um enorme bem a si mesma se observasse uma lei não escrita do futebol. Prevê que a primeira entrada de um zagueiro no atacante adversário precisa ser dura, para que o sujeito saiba com quem está lidando. A nova chefe do Ministério Público terá de conquistar a confiança da torcida. E não há outra maneira de fazer isso senão impondo o respeito que a autoridade do cargo exige.

Respeitabilidade não se confunde com o lançamento cenográfico de flechas. Ao contrário, exige mais método e menos gogó. Um comportamento de zagueiro inspiraria Raquel Dodge a ser implacável, por exemplo. com Marcelo Miller, o ex-procurador que assessorou os delatores da JBS. A suspeita de que o personagem fez jogo duplo precisa ser passada a limpo —mesmo que, para isso, a biografia da banda arqueira da Procuradoria tenha que ser passada a sujo.

O Supremo Tribunal Federal decide na quarta-feira o que fazer com a segunda denúncia que corre contra Michel Temer. A defesa do presidente pede que a peça de Rodrigo Janot seja mantida no freezer até que se decida o que fazer com as provas fornecidas pelos delatores Joesley e Wesley Batista.

Um ânimo de zagueiro levaria Raquel Dodge a entrar de sola nos delatores seletivos da JBS e a defender com vigor: 1) o aproveitamento das provas obtidas enquanto vigorava o acordo de colaboração premiada; e 2) o envio imediato da nova denúncia contra Temer à Câmara, para apreciação dos deputados.

Nunca na história da Procuradoria-Geral uma troca de comando gerou tanta expectativa. Há uma grande torcida pelo saneamento dos métodos do órgão. Em condições normais, a substituta de Janot seria beneficiada com um período de tolerância, para ganhar ritmo de jogo e demarcar seu território.

Entretanto, a atmosfera deteriorada intima Raquel Dodge a entrar como um zagueiro no calcanhar do adversário, estabelecendo rapidamente seu domínio na grande área. Sob pena de converter a energia da arquibancada em combustível para a vaia.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.