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Josias de Souza

Chefe da PF cita futuro com o passado presente

Josias de Souza

20/11/2017 15h51

A cerimônia de posse do delegado Fernando Segóvia ajuda a entender o drama ético do Brasil. O novo chefão da PF declarou que o país atravessa um "vendaval de dúvidas e questionamentos quanto ao futuro da Polícia Federal." Engano. O futuro, como se sabe, a Deus pertence. O que deixa o brasileiro inquieto é a sensação de que nenhum réu graúdo responde pelo passado. E a coreografia da cerimônia desta segunda-feira reforçou a inquietude. Quem assistiu não viu senão as imagens do pretérito passando novamente diante dos olhos da nação.

Na pele de investogador-mor, Segóvia falou de futuro com o passado presente do seu lado. Michel Temer, o investigado-mor, não discursou. Mas anotou na internet: "Ao doutor Fernando Segóvia, desejo sucesso nesta função que agora assume." O problema é que o êxito do delegado dependeria em parte do insucesso do presidente na articulação que empreende para estancar a sangria moral que, no seu governo, tornou-se um fenômeno hemorrágico.

Indicado por investigados do porte do ministro Eliseu Padilha e do ex-senador José Sarney, Segóvia foi nomeado pelo primeiro presidente da história a ser denunciado por corrupção, obstrução à Justiça e formação de organização criminosa. Duas denúncias foram congeladas pela Câmara. Mas ainda corre na PF um inquérito sobre supostas malfeitorias portuárias. Segóvia não se lembrava da pendência. Mas assegurou aos repórteres que Temer "continuará sendo investigado."

A esse ponto chegamos: o comandante da PF é próximo de alguns dos principais alvos da corporação. A proximidade costuma ser conivente. Daí o "vendaval de dúvidas" que sacode a Polícia Federal. Para serenar o ambiente, Segóvia terá de providenciar mais do que um discurso arrumadinho. A interrogação só se dissipará no instante em que o delegado for capaz de demonstrar um distanciamento crítico em relação aos responsáveis pelo redemoinho que o conduziu ao cargo. Sem isso, o futuro será sempre embaçado pelo passado que não passa.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.