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Josias de Souza

Alckmin soou como cabo eleitoral de Bolsonaro

Josias de Souza

10/12/2017 20h07

"O povo está enojado, irritado com todos nós", disse FHC na convenção nacional do PSDB. Em timbre professoral, ele indicou um caminho: "Nós temos que nos reconectar com a vida. É preciso enfrentar os temas tais como eles são." O guru do tucanato enumerou meia dúzia de inquietações do brasileiro. O primeiro item de sua lista foi o seguinte: "Decência." Geraldo Alckmin discursou na sequência. Guindado ao topo da hierarquia partidária, o presidenciável tucano despejou sobre o microfone 1.422 palavras. E não falou sobre "corrupção". Nem sinal de "Lava Jato". O discurso de Geraldo Alckmin pede uma tradução.

"Quero agradecer aos outros partidos que nos honram com suas presenças. O PPS, PSD, PSC, PR, PSB, PTB…"

(Ao citar os partidos que aceitaram o convite para enviar representantes à convenção tucana, Alckmin quis dizer que concorda que a política enoja e irrita. Mas vai à campanha presidencial atado à maior coligação partidária que for capaz de compor. Incluirá até o PR de Valdemar Costa Neto e o PTB de Roberto Jefferson. Sim, é verdade que Jeffersons, Valdemares e outros azares não cheiram bem. Mas o povo e FHC sempre poderão tapar o nariz.)

"Quero agradecer a generosidade de dois grandes líderes, o senador Tasso Jereissati e o meu colega Marconi Perillo. São esteios do nosso partido."

(Alckmin quis dizer que seria ótimo reconectar o PSDB à vida, promovendo o sepultamento político Aécio Neves. Mas isso mergulharia o partido numa guerra fratricida entre a proposta de autocrítica de Tasso e a desconversa aecista de Perillo. Assim, é melhor valorizar a tradição tucana. Desde que a caciquia do PSDB deixou-se fotografar em 2006, numa mesa de restaurante, escolhendo Alckmin como candidato ao Planalto, os tucanos cultuam a tese de que mais vale um bom conchavo do que uma boa contenda.)

"O Brasil vive uma ressaca, descobriu que a ilha da fantasia petista nunca foi a terra prometida. A ilusão petista acabou em pesadelo na maior crise econômica e ética a história do nosso país. Agora é hora de olhar para frente com união e esperança renovada. Os brasileiros não são tolos e estão vacinados contra o modelo lulopetista de confundir para dividir, de iludir para reinar. Mas vejam a audácia dessa turma. Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder, ou seja, quer voltar à cena do crime. Será que os petistas merecem uma nova oportunidade? Fiquem certos de uma coisa: nós os derrotaremos nas urnas."

(Alckmin quis dizer que seria ótimo se o PSDB pudesse enfrentar os temas tal como eles são. Entretanto, é mais fácil para o sujo falar do mal lavado do que ter que explicar o pedido de inquérito criminal que corre no STJ contra si mesmo, ou os inúmeros processos que tramitam no STF contra companheiros do porte de Aécio e José Serra.)

"Registrem-se os esforços do atual governo que, pouco a pouco, começa a reversão da tragédia econômica em que o país foi colocado. O PSDB reitera sua disposição no âmbito do Congresso na aprovação de reformas necessárias ao nosso país. Temos compromisso com a nossa história, coerência das nossas atitudes."

(Alckmin quis dizer que a decência é um princípio inviolável. Mas o rompimento com Michel Temer jogaria o tempo de propaganda eleitoral do PMDB no colo de Henrique Meirelles, na bica de entrar na briga sucessória. Portanto, às favas com as duas denúncias criminais contra o presidente e com o rastro pegajoso do seu governo.)

"Há quem duvide que possamos fazer uma campanha eleitoral à altura das expectativas do ano que vem. Pois bem, eu não concordo com esse diagnóstico. Prefiro ficar com a opinião de um militante tucano, dos mais brilhantes economistas brasileiros, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Ele descreveu de forma exemplar o estilo, o jeitão do nosso PSDB. É uma grande escola de samba momentos antes do início do desfile, uma aparente desorganização e desencontro de seus membros. Parece que ninguém se entende. Soa o apito vigoroso e toda aquela multidão evolui organizada, entusiasmada. Quando chega a hora do desfile, a bateria começa a tocar e toda aquela multidão cantando o hino da escola sai dançando na sequência certa na avenida."

(Alckmin quis dizer que ainda acredita que um milagre fará cair dos céus um samba-enredo capaz de interromper a Quarta-Feira de Cinzas hipertrofiada que o PSDB vive desde que deixou o Poder federal em 2002.)

"Termino minha fala com uma citação de Santo Agostinho: a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão. A coragem nos ensina a mudá-las. Pois bem, nossa indignação e coragem, juntas, vão mudar o Brasil. Dá-lhe, tucanos!"

(O que Alckmin quis dizer com este arremate é que, se o santo não ajudar, talvez vote em Jair Bolsonaro no segundo turno.)

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.