Rocha Loures tenta provar que é um débil mental
Um ano e meio depois de ter sido filmado pela Polícia Federal recebendo uma mala com propina de R$ 500 mil da J&F, Rodrigo Rocha Loures, ex-deputado e ex-assessor de Michel Temer, prestou depoimento na Justiça Federal pela primeira vez. Adotou uma linha de defesa sui generis. Para refutar a acusação que o mantém em prisão domiciliar, o personagem se esforçou para provar que é apenas um débil mental, não um corrupto.
Foi como se Rocha Loures tentasse se livrar de suas culpas ateando fogo às próprias vestes —sempre tendo o cuidado de se despir de sua autoestima antes de riscar o fósforo. Reconheceu tudo o que era inegável: a missão recebida de Temer para que ouvisse "as demandas" da J&F, holding da JBS; as conversas com o sócio do grupo, Joesley Batista; a mala recebida do executivo Ricardo Saud; a intermediação do célebre encontro de Joesley com Temer no Jaburu… Tudo.
O problema é que Rocha Loures, dotado de uma doce e insuspeitada ingenuidade, insinuou durante o depoimento que não foi capaz de enxergar o óbvio. Para tomar o depoimento como verdadeiro é preciso aceitar a premissa de que o ex-assessor de Temer esbarrou no óbvio várias vezes, tropeçou no óbvio, mas demorou uma eternidade para perceber que o óbvio era o óbvio. Quando notou, entrou em pânico.
Nessa versão, o óbvio escapou de Rocha Loures numa conversa que manteve com Joesley Batista: "Ele me diz, atrapalhadamente, ele pega e fala assim: 'Se você resolver esse assunto pra mim, tem lá 5% disso, 5% daquilo'. (…) Eu não entendi que foi uma oferta de propina, eu não entendi que ele estava oferecendo a mim esses valores e eu não iria fazer nada por ele, como não fiz."
Ricardo Saud também falaria sobre propina com Rocha Loures. Mas o óbvio lhe fugiu novamente. E não era um óbvio qualquer. Tratava-se de um óbvio robusto, pois há nos autos um grampo captado pela PF no qual Saud avisa: "Você, por ter nos ajudado, já tem quinhentos mil guardadinho. Tá guardado comigo em casa. E eu não quero ficar." O homem da mala, monossilábico, balbucia no grampo: "Tá."
O depoimento de Rocha Loures ocorreu há quatro dias, na última quarta-feira. Ele falou ao juiz federal Jaime Travassos, da 15ª Vara Federal de Brasília. O repórter Aguirre Talento obteve o vídeo. Exibiu o conteúdo em reportagem veiculada no site do Globo, neste sábado (11). De acordo com a versão do próprio réu, "a ficha caiu" apenas num encontro que teve com Ricardo Saud em 28 de abril do ano passado. Foi nesse dia que entrou em cena a mala com os R$ 500 mil.
Com a ficha já bem arriada, operou-se uma revolução na personalidade de Rocha Loures. Um sujeito que os grampos e as filmagens indicavam ser capaz de tudo apresentou-se perante o juiz como um pobre diabo incapaz de todo. Encontrou-se com Ricardo Saud primeiro num shopping. Informado sobre a mala de dinheiro, marcou um segundo encontro na noite do mesmo dia, dessa vez numa pizzaria.
Em timbre lacrimoso, Rocha Loures disse ao magistrado que o inquiriu que foi à pizzaria para colocar um ponto final naquela tratativa ilícita. Entretanto, por alguma razão que não soube explicar, teve um surto. Fora de si, mostrou o que tem por dentro. Em vez de agredir o seu benfeitor, como diz ter cogitado, saiu correndo com a mala, em "pânico".
Rocha Loures contou que, ao chegar à pizzaria, não viu seu interlocutor. Quando saía, ouviu um grito vindo do estacionamento: "Rodrigo, Rodrigo…" Era Ricardo Saud. "Eu vou até ele, aí ele pega, com esta mala na mão, diz assim: 'Olha a sua mala, pega que você vai perder o avião, corre que você vai perder o avião'," contou o réu ao juiz, num relato entrecortado por choramingos.
"Naquele momento, Excelência… Eu entrei em pânico, no meio da rua, e saí correndo. As imagens, eu não sabia o que fazer. E eu fugi. Eu corri. Eu não consegui, eventualmente, agredi-lo, se fosse o caso. E me desfazer dessa situação ali, naquele momento, até pra que ficasse gravado. E o meu inferno começou. Eu pego essa mala, deixo na casa dos meus pais, aonde eu tenho lá um quarto de hóspedes, coloco dentro do armário e eu não sei o que fazer."
Submetido a uma versão tão, digamos, incrível, o juiz Jaime Travassos fez uma interrogação com um quê de exclamação: "Quero saber o que justificou a um deputado federal com uma ampla história profissional e pessoal a se seduzir por esses convites, e chegar a se reunir com pessoas que o senhor afirma que não tinha empatia pessoal, quatro dias após um primeiro encontro, que já lhe sugeriu algo que não encaixava as peças do quebra-cabeça."
Rocha Loures declarou: "Então, eu vou lhe responder. O presidente (Temer) havia pedido para eu ouvir as demandas do grupo (J&F). O presidente não pediu pra eu resolver, nem fazer ilícitos com quem quer que seja. O presidente pediu pra ouvir as demandas do grupo. Então, Excelência, até prova em contrário, ou até mudar esse acordo com o presidente, eu sou uma pessoa solícita, mas eu não sou venal, não sou corrupto."
"Pessoa solícita"… Poucas vezes um réu conseguiu empurrar para dentro de um processo em que é acusado de corrupção passiva um eufemismo tão delicado para conversa fiada.
Para um juiz, a principal característica da dificuldade de conduzir um processo deve ser a tarefa de ouvir um réu durante um longo depoimento para chegar à conclusão de que ele não tem nada a dizer em sua própria defesa.
Para o réu indefeso, deve ser dolorosa a percepção de que uma hipotética absolvição depende do seu talento para desmoralizar a si mesmo, exibindo uma parvoíce que ultrapassa as fronteiras da debilidade mental.
Quanto ao brasileiro em dia com seus impostos, há dois inconvenientes. Um é a saudade do tempo em que mala era apenas um utensílio para o transporte de roupas. Outro é a descoberta de que ainda há no lixão da política gente que supõe que o Brasil é um país habitado por idiotas.
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