Cuba, Dilma, direitos humanos e boas intenções
Deu-se o inevitável. No primeiro contato de Dilma Rousseff com os microfones em Cuba pipocaram as perguntas sobre direitos humanos. Ou sobre a falta que eles fazem na ditadura dos irmãos Castro.
Da boca pra fora, Dilma falou muito. Pra dentro, lá bem no íntimo, ela sabe que não disse nada. Serviu-se da generalização, uma ferramenta retórica que possibilita ao entrevistado dizer sem falar.
"Quem atira a primeira pedra tem telhado de vidro", escondeu-se Dilma. "Nós, no Brasil, temos os nossos. Então, eu concordo em falar de direitos humanos dentro de uma perspectiva multilateral."
Da generalização, a ex-guerrilheira deslizou para o terreno das boas intenções. "É um compromisso de todos os povos civilizados. É algo que nós temos de melhorar no mundo de uma maneira geral."
A certa altura, ela jogou pedras contra dois alvos específicos. "Nos vamos começar a falar de direitos humanos no Brasil, nos Estados Unidos, a respeito de uma base aqui chamada Guantânamo…"
Quando se imaginou que engataria uma terceira marcha rumo a Havana, Dilma puxou o freio de mão. "Vamos falar de direitos humanos em todos os lugares."
O compromisso com o tema, disse ela, deve ser geral, mundial. "Não é possível fazer da política de direitos humanos só uma arma de combate político-ideológico".
E tome generalização: "O mundo precisa se convencer de que é algo que todos os países do mundo têm de se responsabilizar. Inclusive o nosso. Quem atira a primeira pedra, blá, blá, blá…"
No mundo, como se sabe, ninguém é contra o respeito aos direitos humanos. Todos os governantes são genericamente a favor. Sobretudo os facínoras.
Em Cuba, não é preciso ler os panfletos dos dissidentes para farejar denúncias sobre violações. Basta respirar. E os mandachuvas da Ilha são, também eles, contra qualquer modalidade de injustiça.
Se o planeta dependesse das intenções, sempre muito boas, o ser humano viveria num paraíso. Os fatos é que atrapalham o empreendimento. A realidade estraga tudo.
O ideal retórico de Dilma a redime. Protegida sob o manto diáfano da unanimidade, a ex-torturada faz média com os velhinhos de Cuba. Não atua sobre o problema. Mas tenta salvar a biografia.
Ninguém ignora que as cadeias brasileiras são máquinas de moer gente. Ninguém desconhece que Gantânamo é usina de violações. Mas Dilma está em Cuba.
Esperava-se que dissesse uma palavra sobre os direitos humanos no país que decidiu visitar. E Dilma não pronunciou nem meia palavra. Para os seus padrões, isso talvez soasse muito reacionário.
O mundo de Dilma, da boca pra fora, é mágico. Nele, convive-se com a ideia de que a intenção modificará o fato. No mundo real, quebram-se dentes e ossos. Mutilam-se sonhos. Multilateralmente.
A linguagem dos bons sentimentos pode render belos poemas, lindas canções. Porém, manter a defesa dos direitos humanos nesse campo lírico, não é senão uma boa maneira de negar o flagelo, praticando-o.
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