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Josias de Souza

Chalita: ‘Não entro nesse discurso do PSDB e do PT, nacional e ideológico. Meu foco é São Paulo’

Josias de Souza

02/03/2012 04h40

Candidato do PMDB à prefeitura de São Paulo, o deputado federal Gabriel Chalita já ajustou seu discurso à nova realidade produzida pela entrada de José Serra na disputa. "Nacionalizar a campanha é um desrespeito com São Paulo", declara.

Ex-tucano, Chalita ataca Serra grudando-o ao seu principal aliado: "Ele nem pode falar muito de prefeitura, porque tem do seu lado o Gilberto Kassab, que ele deixou lá e que, hoje, está com uma das piores avaliações da história."

Realça o drama do antagonista do PT: "Nesse primeiro momento, fica muito complicada a posição do PT e do Fernando Haddad. O Kassab acabou de ser homenageado no encontro que celebrou o aniversário do PT. Foi tratado como uma estrela. Então, fica muito incoerente criticar agora."

Em entrevista ao blog, o candidato do vice-presidente Michel Temer disse que não vai entrar no jogo que converte a disputa de São Paulo numa espécie de "terceiro turno da eleição presidencial de 2010". Planeja centrar sua campanha nos problemas da cidade e na exposição de soluções.

"Não temos compromisso com discursos ideológicos de PT ou PSDB no poder. Nosso foco, nosso compromisso é com a cidade de São Paulo, não com ideologias. As pessoas querem resolver o buraco na rua, a iluminação, a segurança, o transporte, a saúde. Nossa linha é essa." Abaixo, a entrevista:

– A entrada de Serra no jogo levou-o a alterar a estratégia de campanha? Não muda muito. A gente já trabalhava com essa perspectiva de o Serra ser candidato. A confirmação apenas fortalece o foco da nossa campanha, que é a cidade de São Paulo. Não nos interessa que haja no município um terceiro turno da eleição presidencial de 2010.

– Não lhe parece que a campanha ganhou ares nacionais? O Serra já falou de dois brasis, das duas visões que ele acha que estão em jogo na cidade de São Paulo. Ele parece incomodado com o cargo que se propõe a disputar. Por mais que tente dizer que está adormecido o projeto de ser presidente, ele só pensa nisso. O diferencial da nossa campanha será tratar de São Paulo.

– Não acredita que Serra tenha abdicado de 2014? Ele diz que o sonho adormeceu. Até quando? Aí vem o Fernando Henrique e declara que, se o Serra ganhar, não significa que ele está excluído de 2014. É muito difícil saber o que se passa na cabeça dele. É como um tiro no escuro. Ninguém sabe o que aconteceria se ele fosse eleito. Poderia cumprir o que disse. Ou não. Nosso foco é a cidade, seus problemas e as soluções. Ao Serra, sim, interessa nacionalizar o discurso. Ele nem pode falar muito de prefeitura, porque tem do seu lado o Kassab, que ele deixou lá e que, hoje, está com uma das piores avaliações da história.

– A gestão Kassab chega a 2012 com cerca de R$ 5 bilhões para investir. Não acha que a avaliação pode melhorar? Mesmo que ele invista agora muito dinheiro em recapeamento de ruas e em propaganda, não reverte mais esse quadro desfavorável. Por isso, acho que o Serra vai fazer uma discussão mais nacional. Vai dizer que o PT não pode ter o poder na cidade de São Paulo.

– Acha que Fernando Haddad e o PT seguirão a mesma linha? O discurso do Serra talvez obrigue o PT a entrar numa discussão nacional também. Eu não vou entrar nesse discurso do PSDB e do PT, nacional e ideológico. Nós não temos compromisso com discursos ideológicos de PT ou PSDB no poder. Nosso foco, nosso compromisso é com a cidade de São Paulo, não com ideologias. As pessoas querem resolver o buraco na rua, a iluminação, a segurança, o transporte, a saúde. Nossa linha é essa. Nacionalizar a campanha é um desrespeito com São Paulo.

– Como assim? Quando alguém se coloca na disputa como o Serra, passando a impressão de que poderia disputar a Presidência da República, mas está fazendo o favor de concorrer à prefeitura, é desrespeitoso. A cidade não quer favor. As pessoas têm problemas e desejam que esses problemas sejam resolvidos. O Kassab incorreu no mesmo erro. Quando começou, não ia mal. O Programa Cidade Limpa foi uma boa iniciativa. Nessa época, o foco dele era a cidade. Deixou de ser. E a administração desandou.

– Refere-se ao esforço do prefeito de criar um novo partido? Exatamente. Ele abandonou a cidade para criar o PSD. Começou a pensar noutras coisas, a viajar pelo país. Passou a se preocupar com a sucessão do Geraldo Alckmin. Perdeu o foco e as coisas pararam de acontecer na administração municipal.

– Vai imprimir esse timbre oposicionista à sua campanha? Nossa linha será de oposição porque é evidente que a cidade está mal administrada. Pelo dinheiro que tem, faz muito pouco. O Orçamento de São Paulo é de cerca de R$ 38,5 bilhões. É o terceiro orçamento da República. Dá para fazer muito mais.

– Acha que o flerte que Kassab manteve com Lula e o PT impede que Fernando Haddad utilize o mesmo discurso oposicionista? Nesse primeiro momento, fica muito complicada a posiçao do PT e do Haddad. O Kassab acabou de ser homenageado no encontro que celebrou o aniversário do PT. Foi tratado como uma estrela. Então, fica muito incoerente criticar agora. Mas creio que, no decorrer da campanha, eles tentarão ajustar o discurso.

– Em Brasília, PMDB e PT são aliados. Vai evitar alfinetadas em Haddad durante a campanha? Não vou disputar a prefeitura com a preocupação de alfinetar. Minha campanha será centrada nos problemas da cidade. Me dou muito bem com o Haddad. Posso debater o que o Serra fez como prefeito, as diferenças de visão em relação à Educação, área em que o Haddad atuou como ministro. Mas nada pessoal.

– Há no PSDB dois tipos de pessoas: as que amam Serra e as que o odeiam. Como ex-tucano, em que grupo se insere? Não nutro por ele nem amor nem ódio. Tenho ressalvas à forma como ele faz política. É uma forma desrespeitosa.

– Por quê? Veja o que está acontecendo agora. Se ele achava que seria candidato, por que deixou que fossem organizadas as prévias? As pessoas fizeram debates, foram aos bairros, se expuseram.

– Mas ele não se inscreveu para as prévias? Entrou na última hora, tiveram que adiar a data. Me lembro da outra vez em que ele disputou a prefeitura. Eu estava muito próximo. O Alckmin fez inúmeras reuniões com ele para perguntar se seria candidato. E ele dizia: 'Não sou candidato, não vou concorrer à prefeitura'. Na última hora, ele decidiu disputar. E todos os pré-candidatos tiveram de renunciar. É muito egocentrismo. Chega em eventos com duas, três horas de atraso. Deixa todo mundo esperando. O Serra teve comigo desrespeitos imensos. Mas não tenho raiva.

– Pode citar um exemplo? Ele tinha um trato respeitoso comigo. Na eleição de 2006, apoiei o Alckmin para presidente. O Serra ficou irritado e começou a desqualificar tudo o que eu fiz como secretário de Educação. Destruiu programas que tiveram avaliações fantásticas. O programa de avaliação por mérito, que ele diz que criou, é uma iniciativa do Mario Covas que eu implementei e ampliei. E ele diz que defende o mérito e eu o afeto. Meu pecado foi apoiar o Alckmin.

– A entrada de Serra na disputa deixou o PT preocupado. Não receia que, além do Lula, também a Dilma se engaje na campanha do Haddad? Acho que ela não vai fazer isso. Terá um comportamento de estadista. Ela disse isso ao Michel Temer que não vai entrar na campanha. Disse que, onde tiver mais de um candidato da base do governo, ela prefere não entrar para não contaminar o governo dela com disputas eleitortais.

– Nesta sexta-feira, a presidente voou de Brasília para São Bernardo para conversar com Lula. Não acha sintomático? Ela veio fazer uma vista ao Lula. Não vejo nada de anormal. Há uma relação de profundo afeto e respeito entre eles. O Lula passa por um momento de vitória contra o câncer. Mas vive uma fase ainda difícil. Os efeitos colaterais da radioterapia foram muito fortes. Natural que a presidente queira estar próxima.

– A entrada de Serra reduz o tamanho da coligação do PMDB? Não creio.

– A possibilidade de fechar um acordo com o DEM esvaiu-se, não? Continuam as conversas. Temos muito respeito pelo DEM. E estamos conversando com outros partidos. Todo mundo está conversando com todo mundo. Mesmo que a gente não conseguisse outros partidos, só o PMDB com o PSC, que já está conosco, têm mais de cinco minutos e meio, quase seis minutos de televisão. Não é um tempo irrisório. Ao contrário. E eu acho que vamos conseguir mais partidos.

– Já esquadrinhou os problemas da cidade de São Paulo? Nessa fase, estamos promovendo reuniões de bairro. Já fizemos 15. No total, faremos cerca de 90. Já estivemos, por exemplo, em São Miguel Paulista, Itaim Paulista, Itaquera, Jaçanã, Jardins. O próximo bairro será Grajaú.

– Onde essas reuniões são feitas? Em escolas e faculdades particulares, salões de festas, igrejas…

– Quem participa? Os pré-candidatos a vereador do PMDB e do PSC participam. E convidamos pessoas da comunidade e de movimentos organizados.

– Que movimentos? O Rotary, o Lions, grupos de escoteiros, padres, pastores evangélicos. No nosso menor encontro, havia cerca de 300 pessoas. No maior, em Itaquera, reunimos 1.500 pessoas.

– Como funcionam esses encontros? Eu falo um pouquinho. Explico que não estamos em campanha ainda. Digo que estou ali como presdidente do PMDB de São Paulo, porque queremos construir, de baixo pra cima, uma proposta para a cidade. Peço aos pré-candidatos a vereador que não falem. O essencial é ouvir as pessoas. É só chegar no microfone, dizer o nome e expor as preocupações. Cada encontro dura pouco mais de duas horas.

– As sugestões são sistematizadas? Tem um grupo de jovens que anota tudo o que as pessoas falam. E as reuniões são gravadas.

– Quais são as principais queixas? Fala-se muito de saúde, da falta de médicos. Há muitas reclamações relacionadas ao transporte. Menciona-se muito a falta de creches, problema dramático na periferia. Esses encontros nos aproximam das pessoas em áreas nas quais sou pouco conhecido. E nos permitem ter um retrato dos problemas de cada região.

– Como serão processadas as informações? O Delfim Netto está coordenando, há três meses, um grupo de trabalho. O Paulo Skaff integrou-se a esse grupo numa reunião que fizemos nesta sexta-feira. As demandas são reunidas e vamos elaborar um programa com propostas factíveis para cada área. Soluções modernas. O Delfim fez uma reunião com especialistas japoneses, para analisar soluções tecnológicas relacionadas ao trânsito. O Skaf sugeriu trazermos um grupo de israelenses que desenvolveu um sistema de monitoramento com câmeras de áreas centrais das cidades. Isso ajudaria no combate ao crime. São ideias que estamos levantando. Na terça-feira vou a Nova York, para um encontro com o ex-prefeito Rudolph Giuliani.

– Pretende implantar em São Paulo algo semelhante ao 'tolerância zero' de Giuliani? Não chamaria de tolerância zero. Busco soluções para organizar São Paulo. Uma política de tolerância zero, se é só policialesca, não é boa. Tem que ter os dois lados. O próprio Giuliani diz que só dá certo quando você oferece alternativas às pessoas.

– Já se enxerga no segundo turno? Sim. Tenho grandes possibilidades.

– Não é excesso de otimismo? De jeito nenhum. Consigo entrar nos dois lados. Tem uma parte do eleitorado petista que tem vínculos fortes com a Igreja. E eu tenho uma relação forte com a Igreja, nessa área social. Isso acaba me ajudando. Do outro lado, minha relação com o eleitor tucano é boa. Saí do PSDB, mas tive uma votação fantástica em áreas tucanas. Na campanha para deputado, tive quase 600 mil votos. Analisando o mapa de votação, verifica-se que o eleitor tradicionalmente identificado com o PSDB não deixou de votar em mim.

– Supondo-se que o sonho se ralize, quem será o seu antagonista no segundo round, Serra ou Haddad? É muito cedo para dizer. Se pegarmos a última eleição municipal, mesmo tendo começado muito bem, o Alckmin não foi ao segundo turno. Ele saiu de um patamar de 40%. O Serra larga com cerca de 20%. O Alckmin não tinha rejeição, o Serra tem. Agora, é preciso ver como o Kassab vai usar a máquina. Espero que haja um controle disso.

– O Alckmin e a Dilma também dispõem de máquinas. Pois é. Tem que ver como será isso. A imprensa de São Paulo é muito ativa. As mídias sociais estão muito fortes. Espero que o fenômeno seja pelo menos dificultado. Graças a Deus não tenho máquinas. Isso me deixa livre para fazer uma campanha sem amarras.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.