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Josias de Souza

Para o STF, modelo de tramitação das medidas provisórias fere a Constituição e terá que mudar

Josias de Souza

08/03/2012 07h25

Ao julgar uma ação proposta pela Associação Nacional de Servidores do Ibama, o STF impôs ao Congresso um constrangimento que vai subverter e dificultar o processo de tramitação legislativa das medidas provisórias editadas pelo Palácio do Planalto.

Na ação, a entidade que representa a corporação do Ibama pediu que fosse declarada inconstitucional a lei que criou, em 2007, o Instituto Chico Mendes. Uma lei nascida de medida provisória editada por Lula.

Reza a Constituição que o governo só pode lançar mão das medidas provisórias quando o tema a ser submetido à análise do Congresso for "urgente e relevante". O texto constitucional orienta a tramitação.

Prevê que, antes de chegar aos plenários da Câmara e do Senado, as medidas provisórias tem de passar obrigatoriamente pelo crivo de uma comissão mista, composta de senadores e deputados.

Cabe a essa comissão decidir se as MPs recebidas do Executivo respeitam os pressupostos constitucionais de "urgência e relevância". Do contrário, a tramitação morre ali, no nascedouro.

Pois bem. Os autores da ação alegaram que o Instituto Chico Mendes não era urgente. O Ibama já se ocupava das atribuições que foram absorvidas pelo novo órgão. De resto, o Congresso aprovou a MP sem a análise prévia da comissão.

Relator do processo, o ministro Luiz Fux votou pela procedência da ação. Concordou com a alegação de falta de urgência. Munido de dados requisitados ao Congresso, concluiu também que, de fato, a MP não passara pela comissão mista.

Considerando-se que o tal instituto encontra-se em pleno funcionamento, o ministro decidiu "modular" sua decisão. Embora considere a lei inconstitucional, deu prazo de dois anos para que o Congresso regularize a situação.

Excetuando-se o ministro Ricardo Lewandowski, que discordou integralmente do relator Fux, todas as outras togas presentes acompanharam o relator –total ou parcialmente.

Alguns divergiram de Fux quanto à alegada falta de urgência e relevância. Mas todos concordaram com ele em relação à obrigatoriedade de manifestação prévia da comissão de deputados e senadores. Coisa prevista no artigo 62, parágrafo 9o da Constituição.

Mais draconiano que o relator, Marco Aurélio Melo discordou da concessão de prazo de dois anos para que o Congresso providencie a legalização do instituto. Para ele, a inconstitucionalidade é de tão forma gritante que fulmina a lei.

Levada ao pé da letra, a decisão do STF torna inconstitucionais 100% das medidas provisórias já aprovadas pelo Legislativo. A tal comissão especial prevista na Constituição, quando constituída, não se reúne.

Os relatores das medidas provisórias lêem seus pareceres diretamente no plenário. Normalmente, manifestam-se quando as MPs já estão na bica de expirar. O debate é ralo. A oposição esperneia e o governo passa o trator. Só de raro em raro cai uma MP.

No seu voto, endossado pela grossa maioria do plenário do Supremo, Fux anotou que a comissão especial não é mera formalidade. É um imperativo constitucional. Ficou entendido que o tribunal não validará leis produzidas à margem do rito formal.

A decisão vai introduzir no processo de tramitação das MPs um estágio que o Congresso, por subserviente, sempre se esquivou de cumprir. Vai ficar mais difícil aprovar medidas provisórias. Para prevalecer, o governo terá de negociar um pouco mai$.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.