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Josias de Souza

Advogado de Demóstenes diz que investigação foi ‘escandalosa burla à Constituição brasileira’

Josias de Souza

31/03/2012 06h33

Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado de Demóstenes Torres (DEM-GO), planeja arguir no STF a ilegalidade das provas recolhidas pela Polícia Federal contra o senador. Alega que, do modo como foi feita, "a investigação tornou-se uma escandalosa burla à Constituição brasileira."

Conhecido em Brasília pelo apelido de Kakay, o defensor de Demóstenes debruçou-se, nesta sexta (30), sobre a petição protocolada no STF pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel. "Li toda a representação do doutor Gurgel. É a prova escancarada de que houve um flagrante desrespeito à Constituição", disse ele ao blog.

Por quê? Segundo o advogado, a Polícia Federal e o Ministério Público "desrespeitaram acintosamente a prerrogativa de foro" –princípio constitucional que condiciona a investigação de autoridades como os congressistas à autorização prévia do STF.

No caso de Demóstenes, sustenta Kakay, o inquérito, originalmente voltado Carlinhos Cachoeira, deveria ter migrado de Goiás para Brasília no instante em que a voz do senador começou a soar nas escutas telefônicas. Deu-se, segundo ele, coisa diferente.

Concluída a Operação Monte Carlo, que levou Cachoeira e oito dezenas de comparsas à prisão, o Ministério Público Federal formalizou uma denúncia em Goiás. "Nela não consta o nome de Demóstenes", afirma Kakay.

Ele pergunta: "Por que não consta, se estavam gravando o senador ininterruptamente?" Ele mesmo responde: "Não consta porque fizeram uma investigação paralela do senador. Abriram uma 'sessão Demóstenes', um anexo."

O advogado prossegue: "Durante meses a fio, mais de ano, gravaram deliberadamente o senador Demóstenes sem autorização do Supremo. Isso é um escândalo. A prerrogativa de foro existe, está na Constituição. Goste-se ou não, precisa ser respeitada."

De resto, afirma Kakay, Roberto Gurgel incluiu na sua representação gravações captadas pela PF numa operação que precedeu a Monte Carlo. Uma investigação que havia aportado na Procuradoria-Geral em 2009.

E daí? "O doutor Gurgel tenta justificar o uso dessas gravações de 2009 sob a alegação de que, na época, não justificavam um inquérito, mas agora justificam. Ora, se não mereciam investigação, deveriam ter sido arquivadas. Utilizá-las agora é algo injustificável. O tempo não modificada o teor dos documentos."

De acordo com Kakay, Roberto Gurgel justifica a investigação contra Demóstenes valendo-se de um princípio que, no Direito, é chamado de "encontro fortuito". É invocado quando, em meio à apuração de um crime, os investigadores dão de cara com outros fatos tidos por delituosos.

Foi o que sucedeu no caso específico. A PF estava no encalço de Cachoeira. De repente, esbarrou em Demóstenes. Na tese do procurador-geral, amparada pela jurisprudência, a investigação do senador tornou-se incontornável.

Kakay não discorda da tese, mas dos métodos. "O que torna o caso Demóstenes um escândalo é a escuta ilegal, sem o amparo do Supremo, e a tentativa de ressuscitar gavações que, em 2009, não ensejaram a abertura de inquérito."

Na visão de Kakay, "o procurador da República que comandou a operação [Monte Carlo] e o juiz de Goiás que cuidou do caso têm que ser chamados a se explicar." Considera imperioso seja feita "uma investigação para apurar a responsabilidade deles na usurpação da prerrogativa de foro do senador."

O defensor de Demóstenes queixa-se do "diuturno vazamento" de informações e diálogos constantes do inquérito. "São vazamentos selecionados e descontextualizados", diz Kakay. "Visam atingir o senador e constranger o Supremo."

Como assim? "O que estamos vendo é uma tentativa descarada de pressionar o Supremo. A jurisprudência que existe hoje é no sentido de que, se não for imediatamente reportada ao STF, a investigação contra autoridades com prerrogativa de foro é ilegal e as provas obtidas são nulas."

Acrescenta: "A partir do momento que levam os elementos do inquérito para a mídia, é como se os vazadores perguntassem aos ministros do Supremo: 'vocês vão ter coragem de anular tudo isso que foi divulgado? Então, vocês serão coniventes? Para mim, a intenção de constranger é clara."

Advogado experimentado, conhecido por livrar a cara de poderosos encrencados em escândalos, Kakay concentra-se nos aspectos jurídicos do caso. Acha que não lhe cabe analisar a encrenca sob o ângulo político.

Nessa seara política, o esforço do advogado para anular as provas não ajuda a retirar Demóstenes da grelha em que se encontra no Senado. Ali, o cliente de Kakay corre o risco de ter o mandato passado na lâmina antes que o STF tenha tempo de analisar a higidez das provas e o mérito das acusações.

No final da tarde desta sexta (30), o escritório de Kakay obteve do STF outro pedaço do inquérito. Compõe-se de 50 DVDs. Neles, os diálogos que comprometem Demóstenes. Na segunda-feira (2), o defensor do senador espera receber os anexos do processo –15 volumes no total.

Só depois de perscrutar todo esse material é que Kakay pretende arguir no Supremo a nulidade das provas. "Meu tempo é jurídico, não político. Evidentemente, exponho esse meu calendário ao senador."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.