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Josias de Souza

Advogado de ‘inimigos públicos’, Kakay admite: caso Carol Dieckmann atenua ‘impopularidade’

Josias de Souza

13/05/2012 06h39

A última vez que o criminalista Antonio Carlos de Almeida 'Kakay' Castro abraçou uma causa popular foi há 19 anos. No já longínquo ano de 1993, ele atuou no julgamento de um grupo de jovens que espancara até a morte um adolescente de Brasília, Marco Antonio Velasco.

O caso Velasco comoveu a Capital da República. O noticiário cobrava a condenação dos assassinos. E Kakay, contratado pela família do morto, exerceu no tribunal do júri o papel de acusador. Uma exceção na biografia de um dos mais notórios defensores de poderosos abalroados por escândalos no país.

Aos 52 anos, 30 dos quais dedicados ao exercício da advocacia, Kakay especializou-se na defesa de 'vilões'. Toma-lhes as dores com vigor tal que acaba atraindo para si, como que por osmose, a aversão que sua clientela instila na opinião pública.

"É difícil defender o inimigo público número um", disse Kakay em entrevista ao repórter Claudio Dantas Sequeira. "Essa confusão que se faz do advogado com o crime que supostamente teria cometido o cliente é uma visão míope", ele declarou.

Recordou-se de uma passagem doméstica: "Meu filho tinha 6 anos e em Brasília só se falava da morte do índio Galdino [queimado vivo num ponto de ônibus da cidade]. Meu filho me pediu: 'Papai, não pega esse caso não.' É uma visão maniqueísta, de uma criança, mas é uma realidade."

Poucos dias depois receber procuração para cuidar da defesa de Demóstenes Torres, penúltimo indefensável a cruzar-lhe o caminho, Kakay foi chamado ao Rio por Carolina Dieckmann. A atriz chegou ao criminalista graças a amigos que têm em comum. Gente como a produtora Bia Aydar e Regina Cazé.

Súbito, Kakay passou a usufruir de exposição simultânea em duas áreas distintas dos jornais: a editoria político-policial e as colunas voltadas às celebridades. Num dia, acompanhou a atriz no depoimento que inaugurou o inquérito policial que apura o vazamento de fotos íntimas na internet. Noutro, representou o senador na sessão em que o Conselho de Ética abriu o processo que pode despi-lo do mandato.

Perguntou-se a Kakay se a causa de Carolina Dickmann serve de contraponto à encrenca de Demóstenes Torres. E ele: "Não pensei nisso, mas advogar para Carolina Dieckmann pode contrapor a impopularidade. Como eu acho que ela agiu com muita dignidade, resolvi entrar no caso."

Acha que a difusão não consentida da nudez da atriz na web pode resultar num subproduto: "É uma causa interessante que pode ajudar no debate sobre o controle da internet, especialmente das mídias sociais. Hoje estamos diante do fenômeno dessas redes sociais que são uma mídia opressiva. O que aconteceu com essa menina é sórdido, cruel."

Como controlar o território livre da internet? "Não defendo a criação de conselhos nem nada disso, mas não existe direito absoluto. Deve haver uma resposta rápida do Judiciário. O que inibe a criminalidade é a certeza da punição. Sites nos EUA e na Inglaterra retiraram as fotos dela 48 horas depois de um contato meu, alegando que eram ilegais e estavam causando dano à imagem da atriz. É o limite da responsabilidade."

Mutatis mutandis, também no caso Demóstenes Kakay lida com vazamentos ilegais e nudez indesejada. Briga no STF para anular os grampos nos quais a voz do seu cliente soa em diálogos vadios com Carlinhos Cachoeira. Alega que as conversas que desnudaram a alma do senador foram captadas pela PF à margem da Constituição, sem a licença ao Supremo.

No julgamento político do Senado, Kakay parece antever o pior desfecho –ou o melhor epílogo, conforme o ponto de vista: "[…] Não acho que houve quebra de decoro. Mas os vazamentos criaram esse clima de irreversibilidade, o que pressiona o Senado. É um julgamento secreto, sem fundamento e eminentemente político. Se eu ganhar no Supremo, os senadores terão cassado o mandato de um parlamentar com base em provas nulas."

Acredita mesmo que o STF vai invalidar as escutas? "[…] O foro de prerrogativa está previsto na Constituição. O delegado da Monte Carlo admitiu à CPI que investigou o Demóstenes por dois anos, sem autorização do STF. O relatório que eles chamam de 'casos fortuitos' contém um ano e meio de escutas ilegais. E essas são as únicas provas que existem contra o senador."

Para Kakay, o Brasil tornou-se a "república dos grampos." O país atravessa "a era da insegurança". A privacidade, diz ele, "acabou". A arapongagem "virou profissão". Pinta um quadro funesto: "Quando o Estado patrocina essa quebra de sigilo, é uma barbaridade. O número de grampos oficiais no Brasil é estrondoso e os não-oficiais deixariam qualquer um estarrecido. Na Monte Carlo, esqueceram que interceptação telefônica é o último recurso de uma investigação, não o primeiro."  

A fama fez de Kakay um advogado seletivo. "De cada 20 casos que aparecem, a gente pega um." Comanda uma banca enxuta. "Não concordo com essa americanização, essa massificação de escritórios, que chegam a ter 300 advogados. Hoje minha equipe são três advogados, além de mim."

Diz acompanhar pessoalmente todos os casos. "Gosto do enfrentamento. Acho essa profissão do cacete." Não tem o hábito de perguntar aos clientes se são culpados ou inocentes. "Não me preocupo com isso. Eu me interesso por casos em que acredito que se possa fazer uma defesa técnica."

Reconhece que já advogou "para gente que matou." Jacta-se dos resultados: "Tive cinco casos de maridos que mataram suas mulheres e absolvi os cinco. Não sou juiz. Nós, advogados criminalistas, exercemos papel fundamental para o estado democrático de direito. Essa impopularidade é o preço que se paga."

Eleitor de Lula e amigo de José Dirceu, Kakay é apartidário na montagem do portfólio. Defende políticos "de todas as colorações partidárias." Conta que já advogou "para cinco presidentes de partidos diferentes ao mesmo tempo." Já bateram à porta do seu escritório: "a Roseana, o Bornhausen, o Agripino, o Arruda, o Paulo Octavio…"

A lista é tão vasta que os nomes lhe escapam. Esqueceu de mencionar ACM e José Sarney, para ficar em dois exemplos inesquecíveis. Sob Dilma Rousseff, foi contratado pelo ex-ministro pecedobê Orlando Silva (Esportes). No Cachoeiragate, além de Demóstenes, cuida da defesa do governador tucano Marconi Perillo (GO).

No mundo privado, advoga para grandes empreiteiras, bancos e banqueiros. Já defendeu Salvatore Cacciola. Daniel Dantas também já foi socorrido por ele. Em batida realizada no escritório de Dantas, no Rio, a Polícia Federal apalpou o recibo dos honorários de Kakay. Coisa de R$ 8 milhões.

Diz-se que o crime não compensa. No Brasil, não é que o crime não compensa. É que, quando compensa, muda de nome. E torna milionários os advogados que ajudam no rebatismo. Tomado pela fortuna, Kakay é, hoje, uma das principais provas de que a defesa de personagens a quem a opinião pública sonega até o benefício da dúvida pode ser uma atividade altamente compensatória.

– Atualização feita às 19h45 deste domingo (13): Em telefonema ao blog, o senador José Agripino Maia disse que Kakay "equivocou-se" ao incluí-lo no rol de seus clientes. "Nunca precisei dos préstimos do Kakay", disse o presidente do DEM.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.