Topo

Josias de Souza

Forno aceso: a CPI poupa governadores e Delta

Josias de Souza

17/05/2012 18h21

Deu-se o previsto. Reunida nesta quinta (17), a CPI do Cachoeira acendeu o forno. Aprovou-se a convocação de 51 suspeitos e quebrou-se o sigilo bancário, fiscal e telefônico de 36 pessoas e empresas. Os governadores foram poupados. Fernando 'Delta' Cavendish também foi retirado da grelha.

Com o apoio de governistas e oposicionistas, decidiu-se adiar a votação dos requerimentos que convocariam para depor três governadores: o tucano Marconi Perillo (Goiás), o petê Agnelo Queiroz (DF) e o pemedebê Sérgio Cabral (Rio).

Marconi e Agnelo encontram-se no espeto graças aos indícios colecionados pela PF. A Procuradoria já informou que acionará a dupla no STJ. Cabral teve o calcanhar exposto com a divulgação dos videos e fotos que desnudaram a intimidade que o une a Fernando Cavendish. Para a CPI, por ora, nada a apurar.

Num dos requerimentos aprovados, a CPI quebrou os sigilos da Delta. Apenas no Cento-Oeste. E a matriz? "Não é o nosso foco. Quem quiser que peça uma CPI da Delta", disse o relator Odair Cunha (PT-MG).

E quanto a Canvendish? "Não há indícios que me levem a pedir a quebra de sigilo ampla, geral e irrestrita de toda a empresa Delta e do senhor Fernando Cavendish", Odair declarou.

No inquérito da Operação Monte Carlo, a PF informa que a Delta borrifou R$ 39 milhões nas caixas registradoras de empresas de fachada da quadrilha. Suspeita-se que a verba tenha irrigado campanhas eleitorais. Tomado pelas palavras, o relator da CPI acha que os milhões se moveram sem o conhecimento do então controlador da empreiteira. Falta nexo.

A voz de Cavendish, nunca é demasiado recordar, soou numa gravação feita às escondidas por dois ex-sócios. Ele disse coisas assim: "Se eu botar R$ 30 milhões na mão de políticos, eu sou convidado pra coisa pra caralho! Pode ter certeza disso, te garanto. Se eu botasse dez pau que seja na mão de nêgo… Dez pau! Ah… Nem precisava de muito dinheiro não, mas eu ia ganhar negócio. Ôooo…"

Ou assim: "Estou sendo muito sincero com vocês: R$ 6 milhões aqui, eu ia ser convidado. Ô, senador fulano de tal, eu tenho cinco convites aqui. Toma, tá aqui ó. Pá! Se convidar, eu boto o dinheiro na tua mão." São frases que, num Congresso feito de honradez, inspirariam um desejo irrefreável de ouvir o autor. Mas a CPI, feita de outra matéria prima, faz ouvidos moucos.

Nascida sob o estrépito da unanimidade, a CPI descamba para a seletividade. No parto, não teve opositores. Todos os partidos apoiaram. Dilma absteve-se de barrar. Lula açulou o PT. FHC disse que a coisa é necessária. Ao ensaiar os primeiros passos, a comissão revela-se uma dessas iniciativas cujo risco de dar certo é nulo.

Sem alarde, retira-se da investigação o PAC, que tem na Delta sua principal tocadora de obras. Na manha, PT e PMDB oferecem escudo a Agnelo e Cabral para, num segundo momento, arrastar apenas Marconi para o banco da CPI. No mais, a comissão vai dançar ao redor de Cachoeira e seu bando, já moídos pela PF. À platéia, reservou-se, de novo, o papel boba.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.