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Josias de Souza

Planalto cogita adotar projeto de lei da CUT que flexibiliza a CLT e cria ‘acordo coletivo especial’

Josias de Souza

24/05/2012 04h30

Sem estrondos, o deputado Marco Maia (PT-RS) promoveu um encontro reservado na residência oficial da presidência da Câmara, em Brasília. Reuniu, na noite de segunda-feira (21), líderes partidários, sindicalistas e um representante do Planalto: José Lopes Feijó, assessor especial do ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência).

O propósito da conversa foi o de apresentar às lideranças dos principais partidos um projeto de lei que está na bica de chegar à Câmara. Prevê uma novidade que, se for aprovada, vai flexibilizar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Chama-se 'Acordo Coletivo Especial'. Ou 'Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico'.

Consiste no seguinte: os sindicatos ficam autorizados a celebrar com as empresas acordos que incluam cláusulas em desacordo com a CLT. O rabo do gato fica exposto no último artigo do projeto de lei, o 16o: "Aplicam-se aos Acordos Coletivos de Trabalho com Propósito Específico os dispositivos do Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho, quando não incompatíveis com esta lei."

Deve-se a autoria do texto ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, braço da CUT e berço político de Lula. Apresentado à ideia, o ministro Gilberto Carvalho, a quem cabe negociar com as centrais sindicais em nome do governo, comprou-a. Está decidido que o projeto será levado ao Congresso. Discute-se apenas se vai pelas mãos do Planalto ou sob o patrocínio dos partidos da coalizão.

Hoje, a legislação trabalhista já prevê a realização de acordos trabalhistas. São de dois tipos: há a convenção coletiva, celebrada uma vez por ano, na data dos dissídios salariais das categorias. E há o acordo coletivo firmado entre um ou mais sindicatos com um grupo de empresas de determinado setor. Nos dois casos, os acertos sujeitam-se às normas previstas na CLT.

Afora o fato de trafegar por cima da CLT, o que diferencia o 'Acordo Coletivo Especial' dos outros dois é a sua natureza individual. Em vez de negociar com segmentos empresariais, os sindicatos mais fortes poderão fechar acordos com empresas específicas.

Alega-se que sindicatos como o dos metalúrgicos do ABC já vêm firmando acordos do gênero na base da boa-fé. Porém, como os acertos nem sempre seguem o figurino da CLT, sujeitam-se a questionamentos judiciais. A nova lei daria "segurança jurídica" às casas sindicais e às empresas.

Na reunião organizada por Marco Maia, os líderes receberam uma cartilha que detalha a encrenca. O blog obteve um exemplar. Contém a íntegra do projeto. Na "exposição de motivos" anotou-se o seguinte:

"As relações de trabalho no Brasil estão sujeitas a uma legislação extensa e detalhada, nem sempre adequada à realidade dos trabalhadores e das empresas. Oriunda da década de 1930, ela trata da organização sindical, da negociação coletiva e da proteção ao trabalho. Apesar das mudanças pelas quais passou, essa legislação ainda restringe a organização sindical e a negociação coletiva, e embora assegure padrões básicos de proteção ao trabalho continua a exigir atualização."

O texto acrecenta: "As recentes tentativas de promover a reforma do sistema de relações de trabalho por meio do diálogo social e da negociação tripartite, para definir novos instrumentos de representação sindical e de negociação coletiva, esbarraram na resistência conservadora de parte dos representantes de trabalhadores, empregadores e operadores do Direito, em certa medida pelo temor de que a valorização da negociação coletiva trouxesse o risco da precarização dos direitos trabalhistas e de insegurança jurídica para as empresas."

Sustenta-se que a novidade sugerida no projeto não representará supressão de direitos. Ao contrário, dará amparo legal a "práticas sindicais e trabalhistas qualitativamente diferenciadas, em especial nos setores mais dinâmicos da economia brasileira." Setores nos quais a negociação, por "permanente", ocorre fora das datas dos dissídios e leva à "solução voluntária de conflitos."

Nem todos os sindicatos estarão autorizados a firmar os tais 'acordos coletivos especiais'. Pelo projeto, caberá ao Ministério do Trabalho definir as entidades que poderão trafegar à margem da CLT. Para obter a prerrogativa, o sindicato terá de comprovar dois pré-requisitos: 1) que representa mais da metade de uma categoria; e 2) que mantém uma comissão sindical dentro da empresa com a qual deseja celebrar o acordo "com propósito específico."

Egresso do movimento sindical, Marco Maia, a exemplo de Gilberto Carvalho, abraçou a causa da CUT. Deu à reunião de segunda à noite um caráter suprapartidário. Além de parlamanetares governistas, convidou para a conversa os líderes das duas principais legendas de oposição. ACM Neto (BA), do DEM, não pôde comparecer. Bruno Araújo (PE), do PSDB, participou do encontro.

Não é a primeira vez que a flexibilização da legislação trabalhista vira tema de debate. Sob FHC, tentou-se reformar a CLT. O PT e as centrais sindicais, sobretudo a CUT, levaram o pé à porta. Mesmo sob Lula, o assunto foi roçado, ainda que de raro em raro. Mas jamais ganhou a forma de um projeto.

O inusitado da cena atual é a autoria da CUT. Chama a atenção também o método. Em vez de reformar a própria CLT, reconhecida por todos como um tratado superado, sugere-se a aprovação de uma gambiarra que atende a interesses específicos do sindicalismo paulista.

Segundo a cartilha distribuída aos líderes partidários, há 200 empresas em São Paulo com comitês sindicais operando regularmente nas suas dependências. É esse o universo que, num primeiro momento, será atendido pela nova lei. Vai abaixo a íntegra do projeto:

Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a negociação coletiva e o Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico.

Art. 2º Para os fins desta Lei considera-se:

I- negociação coletiva, o procedimento adotado por sindicatos profissionais e empresas para solução de conflitos e celebração de Acordos Coletivos de Trabalho com Propósito Específico;

II- Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, o instrumento normativo por meio do qual o sindicato profissional, habilitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e uma empresa do correspondente setor econômico, estipulam condições específicas de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa e às suas respectivas relações de trabalho;

III- condições específicas de trabalho, aquelas que, em decorrência de especificidades da empresa e da vontade dos trabalhadores, justificam adequações nas relações individuais e coletivas de trabalho e na aplicação da legislação trabalhista, observado o art. 7º da Constituição;

IV- Comitê Sindical de Empresa, o órgão de representação do sindicato profissional no local de trabalho, composto por trabalhadores sindicalizados que exercem suas atividades profissionais na empresa, eleito de forma direta, conforme estatuto do sindicato;

V- habilitação, a certidão expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego que credencia o sindicato profissional para a negociação de Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico;

VI – conduta de boa-fé, princípio da prática sindical e da negociação coletiva para fins de celebração de Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico.

Art. 3º Considera-se conduta de boa-fé:

I- participar de negociações coletivas quando requeridas por ofício;

II- formular e responder a propostas e contrapropostas que visem à promoção do diálogo e da negociação entre o sindicato profissional e a empresa;

III- prestar informações, definidas de comum acordo, no prazo e com o detalhamento necessário ao exercício da negociação coletiva;

IV- preservar o sigilo das informações recebidas quando houver expressa advertência quanto ao seu caráter Confidencial; e

V – obter aprovação dos trabalhadores para celebrar acordos coletivos.

§ 1º O dever de participar de negociações coletivas não obriga a empresa ou o sindicato 
profissional a celebrarem acordos coletivos.

§ 2º A recusa em celebrar acordos coletivos não caracteriza recusa à negociação coletiva.

Art. 4º É facultado ao sindicato profissional, devidamente habilitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a promover negociação coletiva com a finalidade de celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico.

Art. 5º. As organizações sindicais do setor econômico a que pertence a empresa, quando solicitadas, poderão acompanhar as negociações.

Art. 6º As partes signatárias do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico deverão consignar no instrumento normativo as razões que justificam a adequação nas relações individuais e coletivas de trabalho e na aplicação da legislação trabalhista.

Art. 7º Para a obtenção da habilitação referida no inciso V do Artigo 2º, o sindicato profissional deverá cumprir o seguinte requisito:

I- ter regulamentado em seu estatuto e instalado em uma ou mais empresa de sua base de representação o Comitê Sindical de Empresa, composto por no mínimo dois e no máximo trinta e dois membros, obedecida a proporção de dois membros para cada quinhentos ou fração de quinhentos trabalhadores sindicalizados por unidade de produção ou de serviço, quando for o caso.

Art. 8º O descumprimento do requisito estabelecido no artigo anterior implicará na perda da habilitação, o que impedirá o sindicato de celebrar novo Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico.

Parágrafo único: Nova habilitação poderá ser obtida pelo sindicato profissional após comprovação do restabelecimento do requisito exigido no inciso I do artigo 7º desta lei.

Art. 9º Para celebração do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico o sindicato profissional e a empresa deverão atender as seguintes exigências:

I- O Sindicato Profissional:

a) possuir a habilitação prevista no inciso V do Artigo 2º desta Lei;

b) ter Comitê Sindical instalado na empresa, na forma do inciso I do art. 7º desta Lei;.

c) contar com índice mínimo de sindicalização de 50% (cinquenta por cento) mais 1 (um) do total dos trabalhadores na empresa;

d) aprovar o acordo em escrutínio secreto, assegurada a participação de no mínimo 50% (cinquenta por cento) dos trabalhadores abrangidos, pelo percentual de 60% (sessenta por cento) ou mais dos votos apurados.

II- A empresa:

a) reconhecer o Comitê Sindical de Empresa como órgão de representação do sindicato profissional no local de trabalho, cuja comprovação se dá por meio de acordo coletivo de trabalho firmado entre as partes;

b) não possuir qualquer pendência relativa à decisão condenatória transitada em julgado, cuja ação tenha sido promovida pelo respectivo sindicato profissional, por restrição ao exercício de direitos sindicais.

§ 1º. O acordo coletivo a que se refere a alínea a) do inciso II deste artigo deve estabelecer as condições de funcionamento do comitê sindical para o exercício da representação sindical na empresa.

§ 2º. Possuindo pendências judiciais na forma da alínea b) do inciso II deste artigo, as condições para a celebração do acordo previsto nesta Lei serão atendidas mediante o cumprimento da sentença ou acordo homologado judicialmente.

Art. 10 Por ocasião do depósito para registro do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, o sindicato profissional e a empresa deverão, sob pena de recusa de registro, atender as exigências definidas no artigo 9º desta Lei, cabendo às partes, ainda, o cumprimento do disposto nos artigos 613 e 614, parágrafos 1º e 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

§ 1º. Para o atendimento do disposto neste artigo, o sindicato profissional e a empresa deverão apresentar ao Ministério do Trabalho e Emprego os seguintes documentos:

a) Declaração firmada pelas partes de que o sindicato profissional possui em seu quadro associativo 50% (cinquenta por cento) mais 1 (um) do total dos trabalhadores que exercem suas atividades profissionais na empresa;

b) Ata da apuração dos votos comprovando a aprovação do acordo;

c) Declaração firmada pelas partes atestando a inexistência de pendência relativa à condenação em decisão transitada em julgado.

§ 2º. O sindicato profissional, quando solicitado pela fiscalização do trabalho, deverá disponibilizar os documentos que comprovem o atendimento das exigências estabelecidas no artigo 9º desta Lei.

Art. 11 O Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, quando atingido pelo descumprimento do disposto na alínea a), inciso II, do artigo 9º desta Lei, manterá seus efeitos jurídicos até decisão judicial que confirme os termos da denúncia promovida pelo sindicato profissional.

Art. 12. A Fiscalização do Trabalho, ao identificar condições de trabalho estabelecidas por Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, deverá observar:

I- se as exigências para a celebração do acordo coletivo estabelecidas nas alíneas a) e b), inciso II, do artigo 9º desta Lei estão sendo mantidas;

II- se as condições de trabalho estão em consonância com o acordo;

§ 1º. Ao identificar condições de trabalho em desacordo com o instrumento normativo, o auditor fiscal consignará a manifestação da empresa no Auto de Infração.

§ 2º. O auditor fiscal, ao questionar condições de trabalho estabelecidas no instrumento normativo, comunicará o fato à sua chefia imediata que, se após análise da manifestação da empresa considerar que tais condições contrariam o disposto no art. 7º da Constituição Federal, determinará a lavratura do Auto de Infração.

Art. 13 As partes poderão fixar no Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico multas recíprocas para o caso de descumprimento de suas cláusulas.

Art. 14 A vigência do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico será de até 3 (três anos), podendo as cláusulas em vigor há mais de 4 (quatro anos) serem renovadas por prazo indeterminado, conforme a vontade das partes.

§ 1º Os acordos por prazo determinado poderão estabelecer regras e procedimentos para que os efeitos de suas cláusulas subsistam após o término de sua vigência;

§ 2º Na falta de disposição específica nos instrumentos normativos com prazos determinados, seus efeitos jurídicos subsistirão por 120 (cento e vinte) dias a contar do término da vigência;

§ 3º Os acordos poderão estabelecer regras e procedimentos para que os efeitos de suas cláusulas subsistam por um período determinado após denúncia por quaisquer das partes;

§ 4º Na falta de disposição específica nos instrumentos normativos, os efeitos jurídicos do acordo por prazo determinado cessarão com o término de sua vigência ou decisão judicial que confirme os termos da denúncia promovida por quaisquer das partes;

§ 5º Na falta de disposição específica nos instrumentos normativos, os efeitos jurídicos do acordo por prazo indeterminado subsistirão até decisão judicial que confirme os termos da denúncia promovida por quaisquer das partes.

Art. 15 Os procedimentos necessários à aplicação desta Lei serão estabelecidos por ato do Ministério do Trabalho e Emprego.

Art. 16 Aplicam-se aos Acordos Coletivos de Trabalho com Propósito Específico os dispositivos do Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho, quando não incompatíveis com esta Lei.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.