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Josias de Souza

Espião de Cachoeira, Dadá é amigo do servidor do Senado que vigia a sala-cofre da CPI à noite

Josias de Souza

30/06/2012 06h07

Há nove dias, o deputado Odair Cunha (PT-MT), relator da CPI do Cachoeira, viajou a Goiânia para recolher na 11a Vara Criminal de um lote de 54 CDs. Continham a íntegra dos diálogos grampeados pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo. Esse material, sem cortes ou edições, foi armazenado na 'sala-cofre' da CPI.

Apenas os parlamentares que integram a comissão e um seleto grupo de assessores têm autorização para entrar na 'sala-cofre' e noutros dois ambientes onde rodam, no subsolo do Senado, dez computadores apinhados de arquivos confidenciais digitalizados.

Por ordem do senador Vital do Rêgo, presidente da CPI, agentes da Polícia Legislativa do Congresso vigiam o entra-e-sai. Chama-se Yanko de Carvalho Paula Lima o chefe do policiamento no turno da noite. Por mal dos pecados, descobriu-se que a voz de Yanko soa nos grampos que lhe coube vigiar.

Em notícia veiculada na noite passada, o repórter Hudson Corrêa conta que a Polícia Federal pilhou o guardião dos arquivos sigilosos da CPI em diálogos mantidos com Idalberto Matias de Araújo, o Dadá (na foto). Vem a ser o sargento reformado da Aeronáutica que exercia na quadrilha de Carlinhos Cachoeira a função de araponga.

As conversas de Yanko com Dadá foram captadas pelas escutas telefônicas da PF em abril de 2011. Nelas, o servidor do Senado, que viajaria para Las Vegas (EUA) com a família, pede ajuda ao comparsa de Cachoeira para apressar a emissão dos passaportes de dois filhos, um adolescente e uma bebê.

Personagem de amizades múltiplas, Dadá dispunha de uma rede de contatos no serviço público. Entre eles, um funcionário do setor administrativo da Polícia Federal: Anderson Aguiar Drumond, hoje afastado. Foi a ele que o araponga recorreu para furar a fila dos passaportes e socorrer o amigo Yanko.

N noite de 18 de abril de 2011, sem saber que se encontrava sob grampo, Dadá tocou o telefone para Anderson. "Amanhã te passo o negócio lá do Yanko, dos filhos dele", disse. E o interlocutor: "Ah, tá. Tá joia. Se quiser mandar por e-mail. Quer anotar aí?"

Em vez de enviar a mensagem eletrônica, Dadá preferiu ligar novamente na manhã seguinte. Passou o número do protocolo dos passaportes, os nomes completos dos filhos de Yanko e o número do telefone celular dele. Prestimoso, Dadá teve o cuidado de contactar Yanko para certificar-se de que repassara ao seu contato na PF os dados corretos.

Procurado na semana passada, o servidor do Senado reconheceu ser amigo de Dadá. A amizade, disse ele, não compromete sua atividade na vigilância da 'sala-cofre'. "A chave fica com o presidente da CPI. Minha relação com Dadá é só de amizade. Não tem nada a ver com minha função no Senado. O favor que pedi a ele foi há mais de um ano. Não houve pagamento de dinheiro."

Yanko contou ao repórter que já sabia que o número do seu telefone constava de relatório da PF. Comunicou aos seus superiores? "Vou fazer isso agora", respondeu, evidenciando que fazia segredo de algo que, cedo ou tarde, viria à luz.

Ouvido, o presidente da CPI não gostou da novidade. "Vou mandar imediatamente a Polícia do Senado apurar essa história", disse Vital do Rêgo. "Vou pedir providências. A gente manda afastar o rapaz." Como se vê, é infinito o potencial dos grampos da Monte Carlo para produzir surpresas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.