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Josias de Souza

CPI do Cachoeira se dissolve numa ficção real

Josias de Souza

31/10/2012 16h23

A CPI do Cachoeira tem um roteiro –que jamais será encenado— que termina num Congresso alternativo: o Legislativo se as investigações fossem levadas às últimas consequências como anunciado. Um Senado e uma Câmara que poderiam ter sido e que, por desinteresse, não serão.

No gogó, a intenção da CPI era apurar todas as ramificações da quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Partindo de um inquérito pronto, a comissão iria fundo. O caixa clandestino da construtora Delta seria varejado. O laranjal seria invadido. Pilhados com as mãos na botija, políticos entrariam em pânico.

Nesse Congresso que poderia ter sido, a platéia seria submetida a um surto de inédito desassombro. Um destemor para o qual nada, nem a mais desvairada utopia, preparara a platéia –e do qual nenhum pilantra escaparia.

Mas, desde o início das 'investigações' da CPI, outro Congresso se apresentou, quase tão inimaginável quanto o do roteiro ideal. Um Legislativo fictício, que nada enxerga. Ou, por outra, só vê o que a conveniência permite.

A maioria dos membros da comissão aceitou como razoável a tese de que as águas do Cachoeira banhavam apenas o Centro Oeste, que Delta não tem muito a explicar, que os políticos não estão tão enrolados como se imagina e que o assunto está encerrado.

Aferrada a essa ficção, a maioria da CPI –à frente PT e PMDB— decidiu encerrar a encrenca em dois atos levados a cabo nesta quarta-feira (31). Num, aprovou-se por 17 votos a 9 um pedido do relator Odair Cunha (PT-MG). Prevê o "adiamento da discussão e votação dos requerimentos constantes da pauta".

Como o adiamento não tem prazo determinado, foram às calendas cinco centenas de requerimentos pendentes de apreciação –inclusive os que pleiteavam a quebra dos sigilos bancário e fiscal das 22 empresas de fachada que receberam milhões em verbas públicas distribuídas via Delta.

Noutro ato, a maioria governista protocolou na Mesa diretora do Congresso um pedido de prorrogação da CPI por 48 dias. O documento carrega as assinaturas de 212 deputados e 34 senadores –muito além do que o regimento exigia. A oposição tentava prorrogar a apuração por prazo maior: 180 dias. Mas não conseguiu recolher na Câmara o número mínimo de rubricas. Precisava de 171. Obteve 114.

Com sua manobra certeira, a turma do deixa-como-está-para-evitar-que-fique-muito-pior poderá encerrar a pantomima antes do final do ano, sem levar a curiosidade a limites extremos. Aprova-se o relatório final, envia-se o texto ao Ministério Público e ponto. Não se fala mais nisso. Nem naquilo.

Algumas (poucas) vozes oposicionistas protestarão. Enviarão à Procuradoria os dados que a CPI não quis perscrutar. As manchetes provocarão algum embaraço. Nada capaz de abalar, porém, a anormalidade que, por habitual, tornou-se normal na política. Fica entendido que, no Congresso que se finge de cego, nada é tão grave que precise ser muito explicado.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.