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Josias de Souza

‘Não pedir impeachment em 2005 foi maior erro da oposição na Era Lula’, afirma líder do PSDB

Josias de Souza

14/12/2012 04h58

Líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias avalia que o tucanato e seus aliados políicos cometeram um "erro histórico" ao não formalizar em 2005 o pedido de impeachment de Lula. "Foi o maior erro da oposição na Era Lula", disse o senador em entrevista ao blog.

Membro da CPI dos Correios, que promoveu a primeira autópsia do mensalão, Alvaro acusava Lula de omissão. Hoje, ele vai além: "é possível afirmar que houve efetiva participação", declara, invocando o depoimento prestado por Marcos Valério à Procuradoria da República em 24 de setembro. Abaixo a entrevista:

– Acha mesmo que foi um equívoco não ter pedido o impeachment de Lula em 2005? Foi um erro histórico da oposição não ter requerido a abertura de um processo de impeachment contra o Lula. Foi o maior erro da oposição na Era Lula.

– Não é ilusório imaginar que o impeachment passaria? Provavelmente não ocorreria o impeachment. O governo tinha maioria. Mas o desgaste dele seria maior. Ainda que frustrado, o pedido de impeachment revelaria os indícios de envolvimento do presidente no mensalão. Deveríamos ter protocolado o pedido, em nome dos partidos de oposição, na Mesa diretora da Câmara. O erro histórico não foi apenas dos partidos. Erraram também as entidades da sociedade civil. A OAB, por exemplo, se reuniu e decidiu não encampar o impeachment.

– A historiografia registra que Fernando Henrique Cardoso comandou a articulação que retirou a oposição do impeachment. Por quê? A justificativa que nos chegava na época era a de que, na avaliação da cúpula do partido, não haveria apelo popular para a deflagração do processo. Nós ficaríamos isolados. Eu questionei. Especialmente no dia em o Duda Mendonça foi à CPI e revelou ter recebido recursos de forma ilegal no exteriror. Dinheiro para pagar serviços prestados na campanha do Lula.

– Sua reação limitou-se ao questionamento? Eu fiz um voto em separado na CPI dos Correios, propondo o impeachment. Busquei o apoio do partido. Não obtive. Então, decidi agir individualmente. Encaminhei o pedido ao Ministério Público e à Mesa da Câmara dos Deputados.

– Qual era a justificativa? Invoquei o crime de responsabilidade do presidente. Pelo menos três testemunhas –Aldo Rebelo, Arlindo Chinaglia e José Múcio— confirmaram ter ouvido o Roberto Jefferson comunicando ao Lula sobre a existência do mensalão. Houve prevaricação. E isso implica a prática de crime de responsabilidade. O caminho era o impeachment.

– Por que Lula prevaricou? Sabendo da existência dos desmandos, ele não tomou providências.

– Alegou-se em 2005 que Lula pedira aos deputados Arlindo Chinaglia e Aldo Rebelo que verificassem se havia anomalias na Câmara, não? De fato, foi a única coisa que ele alega ter feito. Sugeriu que verificassem na Câmara. A questão é que o problema não acontecia só na Câmara. Tudo se passava do lado dele, no Palácio do Planalto. E ele, como presidente, tinha que acionar a Polícia Federal. Era obrigação dele adotar providências para investigar, não delegar a parlamentares supostas averiguações.

– Com base no que é conhecido hoje, ainda acha que Lula foi omisso? Hoje, é possível afirmar que não houve apenas omissão. Houve efetiva participação. Basta ver o depoimento do Marcos Valério à Procuradoria da República.

– O PT alega que falta autoridade moral a Valério para acusar Lula. O que acha? Eles estão alegando isso, mas o Marcos Valério diz que tem provas e que entregou os elementos à Procuradoria. Além disso, ouço muitas críticas a ele, mas não vi nenhuma manifestação do ex-presidente Lula, principal atingido pelas denúncias, no sentido de processar o denunciante por calúnia e difamação.

– Inquirido na CPI dos Correios, Valério dissera que não conversara com Lula. Hoje, diz que ele autorizou os empréstimos fictícios do mensalão. Merece crédito? Ocorre que houve um acordo explícito entre as partes. A explicitação desse acordo ficou visível naquela entrevista estranha que o Lula deu em Paris, praticamente simultânea com outra entrevista que o Marcos Valério deu no Brasil. Ambos procuraram passar a versão de crime eleitoral, com existência de caixa dois. Foram entrevistas simultâneas e combinadas. Hoje, Marcos Valério percebeu que o acordo não funcionou. A proteção prometida a ele não veio. Condenado, ele começa a falar.

– Insisto: acha que merece crédito? Ele é um jogador. Não fala, evidentemente, sem objetivos. Mas deu informações em seu depoimento à Procuradoria que justificam uma investigação. E diz ter passado provas. As denúncias têm de ser averiguadas.

– Acha que o julgamento do STF e os seus desdobramentos terão reflexos eleitorais? O julgamento já teve reflexos. Depois de dez anos no poder, aparelhando o Estado, o PT obteve em 2012 um resultado eleitoral que pode ser classificado como uma derrota.

– Como assim? Se o PT não tivesse vencido em São Paulo, a derrota seria acachapante. Nessa eleição, por onde Lula e Dilma passaram, o PT perdeu. Eles perderam em Belo Horizonte, em Salvador, em Manaus, em Fortaleza, em Recife. É evidente que o mensalão teve reflexo. E isso vai piorar.

– Por que vai piorar? Há a Operação Porto Seguro que, pelas características, pelo envolvimento de uma mulher que trabalhava no gabinete da Presidência em São Paulo, tem enorme impacto na opinião pública. Soma-se a isso o depoimento com as novas denúncias do Marcos Valério. Como se fosse pouco, o Carlinhos Cachoeira deixou a cadeia afirmando que é o 'garganta profunda do PT'. Ele está com muita vontade de falar.

– O STF vai julgar em 2013 o mensalão do PSDB de Minas Gerais. Não receia que, havendo condenação, o eleitor acabe concluindo que estão todos igualados por baixo na política? Tenho certeza de que o PT tentará passar essa impressão. Mas é preciso lembrar que esse esqueleto foi retirado do armário, em 2005, justamente para tentar confundir, embaralhar. O PT já existia em Minas Gerais no ano de 1998, quando ocorreu o fato. Não denunciou. Tanto que eu não tinha o menor conhecimento disso. Nada foi investigado pelo Legislativo, nem em Minas nem no Congresso. Não houve denúncia ao Ministério Público na época. Se houve problemas, o PT abdicou da sua responsabilidade ao não denunciar. Depois, passaram a explorar o assunto para confundir a opinião pública e colocar todo mundo no mesmo embornal.

– O PSDB não foi omisso ao não tomar providências em 2005, quando o episódio veio à luz? Não excluo a possibilidade de o partido ter sido, de certa maneira, omisso. Mas a verdade é que há outras pessoas envolvidas nisso: o Walfrido Mares Guia, que deixou o ministério do Lula; o Clésio Andrade, que hoje é senador. O Eduardo Azeredo é uma pessoa limpa. Ele era o candidato à reeleição em Minas. Nessa condição, evidentemente, passa a ser responsável pelo que ocorre ao seu redor durante a campanha. Por isso, tenho dificuldades em saber se o partido tinha como adotar posicionamento diferente do que adotou em 2005, ao concentrar a reação na denúncia de que o PT estava querendo desviar o foco.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.