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Josias de Souza

Gilberto Carvalho diz ter ouvido de Luiz Fux que ele absolveria os réus do processo do mensalão

Josias de Souza

24/12/2012 06h20

O ministro Gilberto Carvalho, chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, revelou que Luiz Fux o procurou antes de ser indicado por Dilma Rousseff para o STF. Contou que, durante a conversa, o magistrado deixou claro que absolveria os réus do mensalão. Deu a entender que Fux dissera o mesmo a outros petistas com os quais se reuniu.

"A única coisa que eu posso dizer é que ele foi falar comigo também", disse Gilberto Carvalho na noite passada, em entrevista ao repórter Kennedy Alencar, que pode ser assistida aqui. "Sem que eu perguntasse nada, ele falou pra mim o que falou pra todos os outros: que ele tinha estudado o processo, que o processo não continha prova nenhuma, que era um processo absolutamente sem fundamento e que ele tomaria uma posição muito clara."

Durante o julgamento, Fux seguiu 99,9% dos votos do relator do mensalão, Joaquim Barbosa, condenando os réus. E Gilberto Carvalho: "Não vou julgar a consciência de um ministro do Supremo. Só posso narrar o que aconteceu factualmente comigo. Eu não pedi pra falar com ele, eu não perguntei essa questão pra ele. Essa é uma questão dele, que a consciência dele vai trabalhar."

Em notícia veiculada no dia 2 de dezembro, a repórter Mônica Bergamo informara que Fux fizera uma campanha para ser promovido do STJ para o STF. Reunira-se com várias pessoas, entre elas dois réus petistas: José Diceu e João Paulo Cunha.  Fux não negou os encontros. Porém, diferentemente da versão difundida nos subterrâneos do PT, ele negou que houvesse assumido compromissos em relação ao julgamento do mensalão. É contra esse pano de fundo que soam as revelações de Gilberto Carvalho.

O ministro relatou também um diálogo que manteve com o ex-presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto. Os dois se encontraram no Planalto, durante a abertura da exposição de seis obras do pintor italiano Michelangelo Merisi, o Caravaggio (1571-1610), no dia 5 de outubro. Carvalho disse que se queixou a Britto.

"Eu tive ao longo desses anos uma amizade muito grande com o ministro Ayres Britto, eu reconheço as posições dele, muito importantes na questão dos direitos humanos, na defesa indígena, na questão da adoção, tivemos uma grande confluência. E foi assim que ele foi lá, na inauguração da exposição do Caravaggio", esmiuçou Carvalho.

O ministro prosseguiu: "Quando a gente estava descendo a escada, a gente travou uma conversa, apenas eu e ele, onde [sic] ele me perguntou como é que eu estava." Seguiu-se, de acordo com Gilberto Carvalho, o seguinte diálogo:

– Olha, Carlinhos, nós estamos muito mal e muito tristes por vocês terem marcado esse julgamento exatamente agora, no tempo das eleições. Não é pelo julgamento.

– Eu quis antecipar, mas não foi possível.

– Ó, Carlos, você é o presidente da Casa, você podia ter determinado.

– Mas fiquem tranquilos que nós sabemos separar aqueles que praticaram delitos de vocês.

– Ó, Carlos, nós e a opinião pública não separamos isso. Esses nossos amigos cometeram erros mesmo, mas não merecem esse tratamento que está sendo dado.

"Foi essa a conversa, basicamente", encerrou Gilberto Carvalho. "Só quero salientar que mantenho pelo Carlos Ayres Britto, não importa que agora ele não esteja mais no Supremo, o respeito. Ainda que eu divirja profundamente da maneira como ele conduziu esse processo."

No curso da entrevista, Carvalho repisou a tecla de que o mensalão não passou de "caixa dois". Voltou a refutar as acusações feitas por Marcos Valério de que Lula teria autorizado os emprétimos fictícios do mensalão. A certa altura, o ministro foi instado a dizer o que pensa sobre quatro dos julgadores do processo no STF.

– Sobre o relator Joaquim Barbosa, declarou: "É uma pessoa que tem, a meu juízo, boas intenções, que eu tenho que respeitar, mas de quem eu divirjo profundamente na maneira como relatou o processo do mensalão, o foco que ele deu para o processo.

– Sobre o revisor Ricardo Lewandowski: "É um homem de coragem, um homem que soube nadar contra a corrente num momento muito difícil, que a história irá reconhecer como um verdadeiro juiz."

– Sobre Ayres Britto: "É um humanista, um homem de grande capacidade e sensibilidade e que, a meu juízo, encerra sua carreira no Supremo conduzindo de maneira inadequada um processo."

– Sobre Luiz Fux: "Prefiro não falar."

No pedaço da entrevista dedicado à sucessão presidencial, Gilberto Carvalho declarou que o PT trabalha para ter o apoio do governador pernambucano Eduardo Campos (PSB) à reeleição de Dilma Rousseff em 2014. E declarou que, pessoalmente, não considera absurda a hipótese de o partido abrir mão da cabeça de chapa em 2018, para associar-se a uma eventual candidatura presidencial de Eduardo.

Carvalho contou que Lula "não leva a sério" a sugestão do marqueteiro do PT, João Santana, para que ele concorra ao governo de São Paulo em 2014. Confirmou que o ex-presidente voltar a corre o país, numa caravana programada para o início do ano. "O Lula não pode ficar longe do povo", disse.

Sobre economia, Gilberto Carvalho informou que a previsão do Banco Central de que o PIB de 2012 crescerá apenas 1% "foi uma surpresa". Chegou mesmo a pôr em dúvida a estimativa: "A gente ainda está um pouco perplexo, tentando aferir se realmente é esse o PIB real. Mas eu não sou economista nem técnico em estatística."

Questionado sobre os erros do ministro Guido Mantega (Fazenda), que previra um crescimento econômico de 4% para 2012, Carvalho afirmou: "É evidente que isso cria um problema, não vou negar. Agora, o papel do Guido é fazer previsão dentro de um cenário que tem naquele momento. Não tem como, muitas vezes, naquele momento que faz a previsão, avaliar o conjunto de fatores que vão interferir…" Segundo ele, Dilma mantém a confiança em Mantega e não cogita substitui-lo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.