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Josias de Souza

No Congresso, a profecia maia já se materializou

Josias de Souza

26/12/2012 20h57

Agora já pode ser revelado sem receio de espalhar o pânico: o mundo começou a acabar na sexta-feira, 21 de dezembro de 2012. A profecia do calendário maia fora mal interpretada. O erro foi imaginar que o Apocalipse viria num grande e definitivo clarão. Não, não. A coisa será mais insidiosa. O Juízo Final virá num martírio lento, servido aos pouquinhos. Começou pelo Congresso brasileiro. E seguirá num crescendo, até que o vaticínio se complete, daqui a 5 milhões de anos.

As versões sobre o fim do mundo no Congresso ainda são desencontradas. Não existe um consenso sobre o que realmente aconteceu. Um deputado da oposição conta que tudo escureceu quando o Marco Maia declarou que daria asilo aos deputados mensaleiros nas dependências da Câmara. Um companheiro do PT diz ter ouvido de Maia (como ninguém suspeitou desse sobrenome?!?) o relato de uma visão que ele tivera durante o sono.

Vindo do horizonte, Maia jura ter visto Joaquim Barbosa numa jamanta, avançando em alta velocidade na direção do João Paulo Cunha, do Valdemar Costa Neto e do Pedro Henry. E atrás do relator do mensalão vinha um camburão com seis agentes da Polícia Federal. Três brandiam mandados de prisão. Outros três sacudiam as algemas.

Já um deputado do Piauí diz que se preparava para passar uma rasteira no veto da Dilma à Lei dos Royalties quando dois colegas de Estados produtores de petróleo saíram de uma nuvem negra com os cenhos crispados. Um deles, da bancada do Rio, esfregou-lhe na cara uma liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo. Agarrando-o pelo braço, virou-se para o outro, da bancada do Espírito Santo, e gritou: "Eu levanto e você corta".

Um senador da Paraíba afirma que tentava inutilmente convencer a vice-presidente do Congresso, Rose de Freitas, a colocar os Royalties em votação quando, de repente, uma poeira tóxica recobriu o plenário. Rodando sob a camada de pó, ele viu 3.060 vetos que haviam saltado das gavetas do Sarney. Negligenciados pelos durante 12 arrastados anos, os vetos mais antigos haviam tomado a forma de espadas. E lanhavam o traseiro de deputados e senadores como a castigá-los pelo descaso.

Três senadores juram que, ao atravessar o túnel do tempo, que separa os gabinetes do plenário, viram-se cercados por uma legião de folhas de papel –425.022 páginas. Estavam pintadas para a guerra. Com as cores do desperdício. Juntaram-se no cerco o relatório da CPI do Cachoeira (5 mil folhas inúteis multiplicadas pelos 30 membros da comissão) e as megacédulas dos 3.060 vetos (463 páginas inservíveis reimpressas à larga, uma cópia para cada um dos 81 senadores e 513 deputados).

Um senador, que diz ter assistido à cena de longe, relata, entre lágrimas, que testemunhou o instante em que uma megacédula de vetos, liderando a revolta, avistou o Sarney saindo da sala da presidência. Viu quando, ao seu comando, o exército de folhas marchou na direção do presidente do Congresso. Os seguranças rodearam Sarney. Mas a cédula-líder lançou sobre eles uma interrogação inquietante: "Sabem quantos livros didáticos poderíamos ter produzido se não tivéssemos sido desperdiçadas?" E os seguranças abandonaram Sarney, que foi soterrado pelas folhas.

Um assessor do Planalto relata que não acreditou quando Romero Jucá lhe telefonou apavorado para dizer que o Orçamento da União de 2013 não seria votado. "Como assim?", indagou, atônito. "Meu relatório está pronto. Mas o mundo está acabando no Congresso", balbuciou Jucá antes de ser arrastado para o insondável por quatro cavaleiros saídos do nada. Eles se chamavam Apatia, Subserviência, Indiferença e Abulia. E foi o fim de tudo.

Ninguém deu muita bola porque o fim do mundo no Congresso coincidiu com o início do recesso parlamentar. De resto, o Legislativo brasileiro, como que antevendo final dos tempos, já vinha se desmoralizando por conta própria desde a redemocratização. Extinta a instituição, salvou-se o prédio. Diz-se que foi uma deferência a Niemeyer que, recém chegado aos céus, fez um pedido por escrito.

Reduzidos à condição de zumbis, os congressistas retornarão a Brasília em fevereiro. Enquanto decidem se arrastam correntes ou se apenas mancam, deputados e senadores, num delírio coletivo, seguirão dizendo "sim" no plenário, para que o Planalto cumpra o seu destino: continuar governando por medida provisória até que a profecia maia se cumpra integralmente.

– Ilustração via Miran Cartum.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.