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Josias de Souza

Sobe para 3.111 número de vetos presidenciais que aguardam na fila do plenário do Congresso

Josias de Souza

06/02/2013 08h17

Orçamento X vetos: reunião coordenada por Renan termina em impasse

Transcorridos 49 dias desde a frustrada tentativa do Congresso de votar 3.060 vetos presidenciais numa única noite, Dilma Rousseff já vetou outros 51 dispositivos legais. Com essa média de mais de um veto por dia, a presidente fez subir para 3.111 a quantidade de vetos que aguardam na fila por uma deliberação dos congressistas. O mais antigo tem 12 anos. Vem do governo FHC.

Depois de desmoralizar o ocaso da gestão de José Sarney, o monturo de vetos imiscui-se no alvorecer da administração de Renan Calheiros. Resultou em fiasco a reunião de líderes convocada por Renan para acertar a votação do Orçamento da União de 2012. A oposição levou o pé à porta. Informou que só aceita votar o Orçamento depois que forem apreciados os vetos.

Súbito, líderes de legendas associadas ao condomínio governista ecoaram os oposicionistas DEM, PSDB e PPS. Primeiro os vetos, depois o orçamento, foram repetindo o PSB, o PMDB, o PDT, o PCdoB… Até o senador baiano Walter Pinheiro, do PT, aderiu à pregação. Deve-se a popularidade da tese ao interesse da maioria dos deputados e senadores de derrubar os vetos de Dilma à lei que redistribuiu os royalties do petróleo.

Abre parêntese: no final do ano, a bancada do Rio, Estado que mais perde com a partilha dos royalties, protocolara ação no STF para brecar a derrubada dos vetos. Relator da causa, o ministro Luiz Fux concedera uma liminar (decisão temporária). Anotou que, pela Constituição, os vetos têm que ser votados em ordem cronológica.

Quer dizer: para chegar aos royalties, os parlamentares teriam de apreciar outros 3.059 vetos que vieram antes. O texto de Fux recordou aos congressistas trechos natimortos da Constituição ( artigo 66, parágrafo 6). Anotam: 1) após ser comunicado pelo Planalto, o Congresso tem 30 dias para deliberar sobre vetos. 2) se houver vetos não apreciados na pauta, ficam "sobrestadas as demais proposições". O Orçamento da União não é senão uma proposição. Fecha parêntese.

Aliás, foi graças a esse despacho de Fux que Sarney suspendera a votação do Orçamento em dezembro. Em nota veiculada no site do STFna época, Fux ainda tentara reescrever sua liminar. Mas era tarde demais. Os congressistas já haviam batido em retirada, rumo às férias.

No encontro desta terça, na sala de Renan, o senador Romero Jucá, relator do projeto de Orçamento, tentou argumentar que Fux esclarecera na nota de dezembro que o atraso na votação de um veto leva ao sobrestamento de outros vetos, não do Orçamento. A oposição rodou a baiana. Argumentou que, fosse qual fosse a intenção de Fux, nenhuma nota ou declaração feita longe dos autos tem o condão de modificar o teor de uma liminar.

Como Jucá insistisse, o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado, sacou do bolso do colete um documento oficial do próprio Senado. Tratava-se do recurso que a Advocacia do Senado protocolara no Supremo para tentar reverter a decisão de Fux. Para calar Jucá, Caiado deu voz aos advogados do Senado.

O líder 'demo' leu o seguinte trecho do documento: "…se observada a interpretação dada pelo relator [Luiz Fux], todas as proposições de competência do Congresso Nacional estarão obstadas. Isso significa que o Orçamento Geral da União não poderá ser votado enquanto não apreciados os 3.060 vetos, que, segundo o eminente relator, travam toda a pauta deliberativa do Congresso Nacional." Bingo.

Diante do impasse, Renan suspendeu a sessão do Congresso, que estava marcada para as 17h. Informada sobre o Waterloo, Dilma reuniu-se com o vice Michel Temer, a ministra Ideli Salvatti (Coordenação Política) e os líderes do governo no Legislativo: Eduardo Braga (Senado), Arlindo Chinaglia (Camara) e José Pimentel (Congresso).

A presidente pediu aos seus operadores que dessem prioridade zero à votação do Orçamento. E manifestou o receio de que a oposição aproveite a ocasião para derrubar vetos cuja manutenção o governo considera vital. Por exemplo: os vetos apostos ao Código Florestal, à emenda que elevara os gastos oficiais com saúde e a proposta que eliminara o fator previdenciário.

No Congresso, Renan alegou que, ainda que quisesse, não conseguiria votar o Orçamento, como Dilma desejava. Por quê? Faltava quórum. Lorota, contestou Caiado: "Quórum eles têm. O que lhes falta é voto." Como assim? "Tem 25 Estados esperando pela derrubada dos vetos que impedem a repartição dos royalties [de petróleo]. Quero saber quem é que vai votar só o Orçamento da União, deixando de lado os royalties. Quando o camarada chegar no seu Estado vai ser achincalhado. Não tem conversa."

Os oposicionistas sugeriram uma saída: escolhem-se três vetos para votar em separado (Código Florestal, saúde e royalties) e os outros mais de 3 mil seriam votados em bloco. Informada, Dilma fincou o pé. Líder do PSDB no Senado, Aloyzio Nunes Ferreira ironizou: o governo que convoque sua "oceânica base de apoio."

Em meio à fervura, Henrique Eduardo Alves, o novo presidente da Câmara, percorre a cena munido de baldes de água fria. Enxerga no impasse uma oportunidade para fazer valer a regra constitucional que obriga o Congresso a apreciar os vetos presidenciais em até 30 dias. Acha que, bem cantada, a oposição acaba se convencendo de que mais vale um futuro radioso do que a derrubada de dois ou três vetos velhos.

"Temos de construir uma saída", diz Henrique. "É preciso avaliar se vale a pena comprometer o futuro por um radicalismo que pode engessar tudo. Estamos diante de uma grande oportunidade para fazer valer o texto constitucional, moralizando a análise dos vetos." Enquanto o acordo não vem, deputados e senadores foram ao samba, que ninguém é de ferro.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.