A aposentadoria dos Sarney e a dos sem-tomate
Por uma dessas coincidências fatais, as duas novidades ganharam as manchetes quase que simultaneamente: 1) A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou projeto que legaliza a 'desaposentadoria' dos idosos que queiram trabalhar um pouco mais em troca de pensões menos ridículas. 2) Roseana Sarney beliscou no mesmo Senado uma aposentadoria vitalícia de R$ 23,8 mil mensais. Somando-se aos R$ 15,4 mil que recebe como governadora do Maranhão, fará jus a R$ 39,2 mil por mês.
O Planalto informou que mobilizará sua infantaria para derrubar no plenário do Senado o projeto da "desaposentadoria", de autoria do petista Paulo Paim. Alega-se que a Previdência é deficitária e o Brasil, uma espécie de Maranhão hipertrofiado, não suportaria pagar benefícios acima do ridículo. O grosso da clientela do INSS –algo como 67%— recebe o equivalente ao salário mínimo: R$ 678. Quer dizer: um velhinho vale 38,5 vezes menos que uma Roseana. Não ganha nem para o tomate.
A filha de José Sarney entrou no Senado como passageira de um 'trem da alegria' de 1974. Tomada pelos registros, trabalhou na Casa entre 1982 e 1985. Nesse ano, foi requisitada pelo Planalto, então chefiado pelo pai. Depois, mergulhou na política. Voltou ao Senado como senadora, não como servidora. Em nota, a neo-aposentada informou que vai "devolver aos cofres públicos" o valor que ultrapassar o teto do funcionalismo, hoje fixado em R$ 28 mil.
Considerando-se os padrões familiares, Roseana será uma sub-Sarney. Em março de 2010, a Procuradoria da República protocolou na 21ª Vara da Justiça Federal no DF uma ação para tentar forçar o pai dela a devolver ao erário importâncias que recebe acima do teto (aqui, a íntegra da ação). Em valores da época, José Sarney embolsava mensalmente R$ 52 mil –o salário de senador mais duas aposentadorias (uma como ex-governador, outra como ex-servidor do Tribunal de Justiça do Maranhão).
Velho defensor dos aposentados, o companheiro Paulo Paim deveria trocar o projeto da "desaposentadoria" por outro. Por que não fixar o valor das bolsas de Roseana ou das gravatas do pai dela como parâmetros para a aposentadoria. Por lei, a menor pensão do INSS passaria a ser igual a uma Louis Vuitton ou a uma Hermés –o que fosse maior. Num mês, o índice BR (Bolsa da Roseana). Noutro, o GS (Gravata do Sarney).
Pertencentes à excelsa ordem dos que vivem numa Bélgica pessoal, a salvo de detalhes como o preço do tomate, os Sarney virariam, finalmente, referência para alguma coisa. A ideia é simples e boa. Mas no Brasil, paradoxalmente –esta é a terra do paradoxalmente—, o ilógico sempre se sobrepõe ao simples. Veja, a propósito, quem Dilma mobilizou para liderar a infantaria parlamentar anti-aposentados: a ministra Ideli Salvatti.
Ideli é uma feliz beneficiária de aposentadoria especial do Senado. Senadora de um mandato, passou oito anos na Casa. Hoje, morde uma aposentadoria de R$ 6,1 mil. Um brasileiro acima da média, desses que têm cacife para requerer aposentadoria pelo teto, leva R$ 4,1 mil por mês após labutar por uma vida. Dependendo da bolsa que Roseana estiver usando, vale requerer uma revisão pelo índice BR.
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