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Josias de Souza

Afif antes: ‘Dilma não tem biografia para presidir’ Afif agora: ‘Fiquei honrado com convite de Dilma’

Josias de Souza

07/05/2013 05h26

Das lembranças do homem que foi no passado recente, Guilherme Afif Domingos aproveitará pouco. Ele achava que o único mérito do governo Lula era "não ter mexido no que o outro governo fez de bom na área econômica." Chamava o PAC de "Plano de Abuso da Credulidade". E afirmava, categórico, que Dilma Rousseff "não tem biografia política para comandar o país." Enfim, nada que o neo-Afif não possa trocar pelo ecumenismo político e por uma poltrona na Esplanada.

O vídeo acima traz uma entrevista concedida por Afif em novembro de 2009. Nessa época, ele era filiado ao DEM e chefiava a Secretária de Emprego e Relações do Trabalho do governo tucano de José Serra, em São Paulo. Conversou com os repórteres em Campo Grande (MS), antes de um encontro com empresários. Desancou a gestão Lula, que se encaminhava para o último ano. Espinafrou sobretudo os setores e programas que traziam as digitais de Dilma.

Pediram-lhe que fizesse uma análise dos sete anos de governo Lula. E Afif: "Acho que o resumo da gestão está na sigla PAC –Plano de Abuso da Credulidade. Estão abusando da credulidade. É muita espuma e pouco chopp." Chamava-se Dilma Rousseff a gerente do PAC. Chefe da Casa Civil, ela já carregava o apelido de "Mãe do PAC" e frequentava o noticiário como preferida de Lula para a sucessão presidencial do ano seguinte.

Não reconhece nada de bom que tenha sido feito pelo governo Lula?, um repórter indagou. "Reconheço", respondeu Afif. O quê? "Não ter mexido no que o outro governo [de FHC] fez de bom na área econômica. Portanto, ele acabou sendo beneficiário do esforço feito para tentar arrumar a casa anteriormente. Mas não está colaborando em manter a casa arrumada."

Afif realçou dois êxitos associados a Fernando Henrique Cardoso: a "estabilidade da moeda" e a "Lei de Responsabilidade Fiscal." Disse que, depois da obtenção desses "fundamentos essenciais", esperava-se de Lula que aprovasse "reformas estruturais". Citou duas: a do sistema previdenciário –"uma bomba de retardo"— e a do sistema político –"fundamental para melhorar a representatividade de um governo que se diz progressista."

Mencionou também reformas capazes de produzir "estabilidade nas regras do jogo" da economia, essenciais para potencializar os investimentos. "Hoje eu vejo uma bagunça", disse Afif antes de arrematar: "Portanto, eu não faço uma boa avalição desse governo." Para ele, a popularidade de Lula se devia à sua história de vida, não à qualidade do governo. "Afinal de contas ele é um operário que chegou à Presidência. E isso, no inconsciente popular, é algo muito bonito."

Dias antes dessa entrevista do ex-Afif, o país arrostara um apagão que desligara da tomada –total ou parcialmente— 18 Estados. O Ministério de Minas e Energia atribuíra o breu a um curto-circuito que desconectara três linhas de alta tensão e interrompera o fornecimento da energia provida pela usina de Itaipu. Instado a comentar o ocorrido, Afif atribuiu o blecaute a "problemas de gestão".

Como assim? "Se você me pergunta se a gestão do setor elétrico é uma gestão técnica, eu vou responder: não. É uma gestão aparelhada politicamente. E se é aparelhada politicamente, a parte técnica deve estar sendo deixada para segundo plano. […] Quando você quer politizar setores técnicos, quer aparelhar setores técnicos, a consequência é apagão em todos os lugares."

Primeira ministra de Minas e Energia da era Lula, Dilma Rousseff transferiu-se para a Casa Civil depois que o mensalão derrubou José Dirceu, em 2005. Os negócios de energia passaram a ser geridos por apadrinhados do senador José Sarney. Mas os afilhados do morubixaba do PMDB não ousavam nem respirar sem pedir licença a Dilma. Na apagão de 2009, o preposto de Sarney na pasta de Minas e Energia era Edison Lobão. Que está lá até hoje.

Para o ex-Afif, se Lula tivesse estruturado uma "gestão que não fosse aparelhada politicamente, só para usufruto dos cargos, seria um governo muito melhor." Tomado pelas palavras, o agora ministro via a insuspeitada futura chefe como uma gestora temerária. Uma candidata que Lula "tirou da manga", mas que "não tem biografia política para comandar o país." Acomodá-la na Presidência seria "a mesma coisa que você entregar um boeing para quem nunca pilotou um teco-teco."

Nesta quinta-feira (9), a caminho da segunda decolagem, a operadora de teco-teco empossará o ex-crítico como seu 39º ministro. Em troca de 1 minuto e 39 segundos, o tempo de propaganda do PSD no rádio e na tevê, Dilma acomodará na recém-criada pasta da Micro e Pequena Empresa um político que é o seu avesso.

Afif entrou na política, na década de 1980, pela porta do PDS, o sucedâneo da Arena. Foi conduzido pelas mãos de Paulo Maluf. Nessa ocasião, Dilma estava no PDT de Leonel Brizola, que chamava Maluf de "filhote da ditadura". Na sucessão presidencial de 1989, Afif foi candidato pelo PL (atual PR). Ficou na sexta colocação. No segundo turno, apoiou Fernando Collor, contra Lula.

Nas disputas presidenciais subsequentes, Afif votou sempre no tucano escalado para se contrapor a Lula: FHC em 1994 e 1998, José Serra em 2002, Geraldo Alckmin em 2006. Em 2010, Afif elegeu-se vice-governador de Alckmin, em São Paulo, no primeiro turno. No segundo round, dedicou-se a pedir votos para Serra, dessa vez contra Dilma (repare no vídeo abaixo).

Numa evidência de que em política nada se cria, nada se transforma, tudo se corrompe Afif começou a virar governista no ano passado, quando ajudou Gilberto Kassab a fundar o PSD a partir de uma dissidência do DEM. Após a confirmação de que sua experiência de empreendedor está agora a serviço do empreendimento reeleitoral de Dilma, Afif divulgou uma nota.

"Fiquei muito honrado com o convite feito pela presidenta da República, Dilma Rousseff, para assumir a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, cargo inédito na história do país", anotou o neo-Afif no texto.
"Recebo com entusiasmo essa missão, pela importância que tem o segmento na geração de emprego e distribuição de renda."

Curiosamente, o novo ministro assinou a nota como "vice-governador do Estado de São Paulo". Não lhe passa pela cabeça a renúncia ao cargo. Num arranjo inédito, será ministro do governo petista em Brasília e segundo do governo tucano no maior Estado da federação. Muniu-se de pareceres jurídicos que sustentam a legalidade do acúmulo de funções.

Você talvez pergunte de si para si: e quanto aos aspectos éticos e morais? Recomenda-se recordar a frase dita por Dilma em 4 de março, três dias antes de o Senado concluir a votação da medida provisória que criou a pasta agora confiada ao novo Afif: "Podemos fazer o diabo na hora da eleição…"

Criador do 'Impostômetro', crítico feroz da carga tributária, Afif irá estruturar uma pasta com 66 cargos comissionados, de livre provimento. A coisa custará ao contribuinte R$ 7,9 milhões anuais. Um pedaço minoritário do petismo enxerga na chegada do novo ministro uma evidência de que, rendida ao vale tudo da sucessão, Dilma talvez já não passe num teste de DNA.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.