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Josias de Souza

Médicos nacionais perderam a opinião pública

Josias de Souza

28/08/2013 16h14

 

Nas últimas semanas, luminares da medicina brasileira e associações da classe entregaram-se a uma guerra encarniçada contra a vinda de médicos estrangeiros para o mercado nacional. O resultado do embate ainda não foi proclamado. Mas a corporação do jaleco branco perdeu a guerra.

O governo importa médicos para enviá-los aos fundões pobres do Brasil, onde os similares nacionais não chegam. Os luminares e as associações alegam que a mão de obra brasileira não vai ao interior por falta de estrutura. Em duas reportagens, o SBT demoliu o argumento.

Numa notícia, disponível no vídeo lá do alto, médicos da maternidade pública Leonor Mendes de Barros, na zona leste de São Paulo, são pilhados marcando o ponto diariamente e batendo em retirada na sequência. Noutra, reproduzida lá no rodapé, o fenômeno se repete num hospital público do interior do Rio de Janeiro.

A plateia não viu luminares da medicina nem representantes de suas associações manifestando-se sobre esses casos. Suspeita-se que, se forem ouvidos, os pacientes dos estabelecimentos hospitalares vitimados pela esperteza médica não se importarão de receber alguma assistência de médicos cubanos.

Dilma Rousseff sabe que os médicos estrangeiros não resolverão o problema da saúde. Importa-os porque a marquetagem aconselha. A explicação para os movimentos da presidente não está nos postos de saúde, mas nos números do Datafolha. Aumentou a aprovação à contratação dos médicos estrangeiros, informou o instituto há duas semanas.

A maioria dos brasileiros (54%) se declarou favorável à decisão de trazer médicos do estrangeiro para atuar nas cidades em que os brasileiros não desejam clinicar. Juntando-se num mesmo caldeirão os dados do Datafolha, os vídeos do SBT e o veneno da cubanofobia, chega-se à mistura que deu aos opositores do programa Mais Médicos uma aparência de maus médicos.

Vaiado por colegas brasileiros há dois dias, em Fortaleza, o médico cubano Juan Delgado (foto) iluminou a falta de nexo do protesto. "Vamos ocupar lugares onde eles não vão. Me impressionou a manifestação. Diziam que somos escravos, que fôssemos embora do Brasil. Não sei por que diziam isso, não vamos tirar seus postos de trabalho."

Vale a pena ouvir um pouco mais do doutor Juan: "Isso não é certo, não somos escravos. Seremos escravos da saúde, dos pacientes doentes, de quem estaremos ao lado todo o tempo necessário. Os médicos brasileiros deveriam fazer o mesmo que nós: ir aos lugares mais pobres prestar assistência." Bingo.

Se Deus tiver de aparecer para um doente em desespero, não se atreverá a aparecer em outra forma que não seja a de um médico. Para quem está estirado na maca não importa a origem da aparição. Português, espanhol, cubano ou marciano, o médico que se debruçar sobre o paciente será saudado: 'Deus seja louvado!'.

 

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.