Após 4 meses, o ronco das ruas deu em nada
Em junho, quando Dilma Rousseff anunciou o seu pacto de cinco pontos e Renan Calheiros montou no Senado uma agenda positiva em resposta à revolta das ruas, a opinião pública estranhou o súbito prestígio que adquirira em Brasília. Hoje, decorridos quatro meses dos protestos que atemorizaram os políticos, verifica-se que, à exceção de um par de providências que o governo já havia programado antes do ronco do monstro, nada do que foi prometido prosperou. A opinião pública não teve nem tempo de se orgulhar de sua nova importância.
No Congresso, os pseudoavanços que os senadores aprovaram encontram-se empacados na Câmara. Todos eles. Sem uma mísera exceção. Aguardam votação: a proposta que simplica a apresentação de projetos de iniciativa popular, a que converte a corrupção em crime hediondo, a que impõe a ficha limpa nas contratações do serviço público, a que torna automática a cassação dos mandatos de parlamentares condenados no STF, a que reduz de dois para um o número de suplentes de senadores, proibindo cônjuges ou parentes, etc.
"Temos uns 20 projetos de lei parados", contabiliza o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Ele atribui a fila a uma fatalidade legal: enviado por Dilma com pedido de urgência constitucional, um projeto de código de mineração bloqueou a pauta da Câmara por seis meses. "Só há dez dias a pauta foi destravada", diz Henrique. "Quando a urgência da mineração foi retirada, entrou na pauta a minirreforma eleitoral, que também veio do Senado. O PT e outros partidos ficaram contra. E até agora não conseguimos votar."
Não é negligenciável a hipótese de as propostas concebidas como resposta às ruas serem jogadas para 2014. "Nós só teremos mais esta semana de pauta aberta", constata o presidente da Câmara. "A partir da segunda-feira que vem, dia 28 de outubro, o projeto de marco civil da internet, que também tem urgência constitucional, passa a trancar a pauta. Vamos ver se conseguimos aprovar alguma coisa nesta terça e quarta-feira."
Nesse enredo, a novela do fim do voto secreto nas votações do Congresso ganhou um capítulo à parte. O Senado aprovou proposta que abre o voto apenas na apreciação dos pedidos de cassação de parlamentares. Enviado à Câmara, o projeto estacionou numa comissão especial. A Câmara, por sua vez, aprovou uma emenda à Constituição mais ampla, que extingue o voto secreto no Legislativo em todas as suas modalidades. Remetida ao Senado, emperrou na Comissão de Constituição e Justiça.
Quer dizer: com duas propostas "aprovadas" –uma no Senado e outra na Câmara—, os parlamentares não conseguem entregar à sociedade nenhuma delas. Meteram-se num teatro interativo em que o espectador faz papel de bobo. Nesse meio tempo, os deputados já serviram refresco ao colega-presidiário Natan Donadon. Escondidos atrás do voto secreto, mantiveram intacto o mandato do preso. Que agora reivindica no STF o direito de deixar a cadeia durante o dia para "trabalhar" na Câmara. Logo, logo virão as sentenças definitivas dos quatro condenados do mensalão que ainda dispõem de mandatos.
Quanto ao pacto proposto por Dilma a governadores e prefeitos, incluía reforma política ampla, responsabilidade fiscal e melhorias nas áreas de saúde, educação e mobilidade urbana. A ideia de reformar a política numa Constituinte exclusiva morreu em 24 horas. Foi substituída pela tese do plebiscito, que feneceu numa resposta do TSE sobre sua inviabilidade. A responsabilidade fiscal é um dos tripés que Marina Silva, Aécio Neves e a torcida do Flamengo acham que o governo de Dilma abandonou.
Na saúde e na educação, Dilma limitou-se a apressar providências que projetara antes dos protestos de junho. Numa, anunciou o 'Mais Médicos', de resultados por ora mais eleitorais do que medicinais. Noutra, mobilizou sua infantaria para aprovar o projeto que destina parte dos dividendos do pré-sal para a educação e, por emenda dos congressitas, também para a saúde. O diabo é que o óleo ainda terá de ser sugado das profundezas do oceano. O primeiro e mais promissor campo, o de Libra, vai ao martelo nesta segunda-feira. Os mais otimistas estimam que a escala comercial só será alcançada depois de 2020.
Considerando-se a origem da fagulha que acendeu o asfalto em junho —um reajuste de R$ 0,20 nas passagens de ônibus—, nenhuma das promessas de Dilma soara tão apropriada aos ouvidos de governadores e prefeitos do que a de destinar R$ 50 bilhões para investimentos em projetos capazes de melhorar a qualidade dos serviços de transporte público.
Somando-se todos os pedidos que Estados e municípios enviaram a Brasília, chega-se à cifra de R$ 84,4 bilhões. Bem mais do que havia sido acertado. Sob a alegação de que a maioria dos pedidos não veio acompanhada de um bom projeto executivo das obras, o governo planeja liberar bem menos: R$ 13,4 bilhões. Nada capaz de revolucionar os serviços de transporte público no país.
As ruas voltaram para casa. Restaram as manifestações pontuais e o quebra-quebra dos black blocs. Mas o surto coletivo de junho deixara no ar uma sensação de prefácio. Restava responder: prefácio de quê? Ao retomar sua vida (a)normal, Brasília parece desconsiderar o principal aviso do monstro: o brasileiro aprendeu que, com um computador e dois neurônios, qualquer pessoa pode detonar uma revolta.
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