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Josias de Souza

Discurso de Dilma sobre taxa de juros virou pó

Josias de Souza

28/11/2013 03h42

 

O vídeo acima exibe um pedaço de pronunciamento levado ao ar em 30 de abril de 2012, véspera do feriado de 1º de Maio. Falando em rede nacional, Dilma Rousseff chicoteou os banqueiros. "É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do mundo", disse.

O BC acabara de reduzir a taxa básica de juros para 9% ao ano. Empurrados por Dilma, os bancos estatais baixavam suas taxas. E a presidente malhava as casas bancárias privadas no horário nobre. Fazia isso com extremo gosto.

"Os bancos não podem continuar cobrando os mesmo juros para empresas e para o consumidor enquanto a taxa básica Selic cai, a economia se mantém estável, e a maioria esmagadora dos brasileiros honra com presteza e honestidade os seus compromissos", bateu Dilma.

O Banco Central começara a passar os juros na lâmina em agosto de 2011. A Selic saíra de um patamar de 12,5% ao ano, passava pelos 9% que entusiasmavam Dilma e atingiriam o mínimo histórico de 7,25% ao ano em março de 2013. No mês seguinte, abril de 2013, o BC virou-se para trás e começou a fazer o caminho de volta.

Na noite desta quarta-feira (27), foi anunciada a sexta elevação consecutiva da taxa de juros. A Selic fecha 2013 em 10% ao ano. Voltou ao patamar dos dois dígitos. E ainda pode subir mais um pouco no início de 2014. Virou pó o discurso de Dilma. Ficou entendido que o gogó não é um bom domador de juros.

Em privado, Dilma e seus operadores econômicos dizem que o maior erro de Brasília foi dar ouvidos ao empresariado. Os investidores queixavam-se dos juros lunares e do fardo dos impostos. Além de podar a Selic, o governo serviu mais de R$ 70 bilhões em desonerações de tributos.

Dilma mandou para o beleléu suas metas fiscais. E imaginou que a resposta aos juros baixos e à moderação do apetite do fisco seria um aumento expressivo dos investimentos privados. Deu-se coisa bem diferente.

A redução da Selic minou o lucro financeiro das empresas. E as que obtiveram algum tipo de desoneração usaram o refresco tributário para recompor suas margens de lucro, não para investir.

Com a taxa de inflação a moder-lhe o calcanhar, Dilma parou de torcer o nariz dos banqueiros e viu-se compelida a dar liberdade ao BC para elevar os juros. Trocou o discurso fácil por um esforço árduo para fechar o ano com IPCA inferior aos 5,84% registrados em 2012 —muito acima do centro da meta oficial de inflação, que é de 4,5% ao ano.

Nesse contexto, uma taxa de juros de dois dígitos não é propriamente uma opção. É uma fatalidade. A carestia, como se sabe, costuma azedar o humor do eleitorado. Dilma sopesou os custos e os benefícios e concluiu: melhor perder o discurso do que a eleição.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.