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Josias de Souza

Mercadante diz aos líderes que Dilma pavimentou reeleição e lhe sobra apoio

Josias de Souza

25/02/2014 05h54

Sob a coordenação do vice-presidente Michel Temer, os deputados que lideram os partidos governistas na Câmara reuniram-se por quase três horas com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ideli Salvati (Relações Institucionais). Diante de interlocutores irritados com o tratamento que recebem do governo, Mercadante esboçou um cenário róseo para 2014. Para ele, a reeleição de Dilma Rousseff está pavimentada. A tal ponto que lhe sobram apoiadores nos Estados. São tantos que já não há espaço para todos na Esplanada dos Ministérios.

Ocorrido nesta segunda-feira (24), o encontro comandado por Temer foi uma mistura de lavagem de roupa suja com jogo de pôquer. A lavanderia foi acionada pelos parlamentares. Mercadante cuidou de embaralhar as cartas. Conforme já noticiado aqui, a reunião foi convocada pelo Planalto na semana passada, para tentar sufocar uma insurreição que empurra cerca de 250 votos pró-governo para um bloco partidário que se autoproclama "independente" na Câmara.

No início da reunião, Temer deu voz aos descontentes. Com franqueza incomum, os líderes partidários jogaram sobre a mesa tudo o que traziam enroscado na garganta. Ficou entendido que, na opinião da grossa maioria, nunca um governo tratou seus apoiadores tão mal tão bem. Seguiu-se a intervenção de Mercadante. Na descrição de um dos presentes, o ministro "adotou um comportamento de jogador de pôquer".

Como assim? "Numa mesa de pôquer, o jogador faz cara de paisagem —'poker face', segundo os americanos— e aposta tendo na mão uma sequência imbatível de cartas ou nada. Sempre com a mesma impassividade." De acordo com esse relato, Mercadante puxou suas fichas sob o escrutínio hostil da mesa. Sem tremer os fios do bigode ou as pálpebras, deu a entender que o governo dispõe de um Royal Straight Flush. Parte dos jogadores enxergou um quê de blefe no lance.

Para Mercadante, as últimas pesquisas demonstraram que Dilma-2014 está mais bem posta do que Lula e FHC nos anos em que renovaram os seus respectivos mandatos. Evocando dados do último Datafolha, divulgados no final de semana, o ministro realçou que Dilma entra no ano da reeleição com 47% das intenções de voto. Em março de 1998, FHC tinha 41%. E prevaleceu nas urnas com 43%. Na mesma época de 2006, Lula somava 45%. E foi reeleito com 44,5%.

Na maioria dos Estados, sustentou Mercadante, Dilma dispõe de múltiplos palanques, enquanto seus antagonistas penam para montar um. A base de apoio à presidente tornou-se tão numerosa que já não cabe na mega-Esplanada de 39 pastas. Temos um problema, disse o chefe da Casa Civil aos seus interlocutores. Há dois ministérios vagos e três partidos querendo entrar, não dá para atender todo mundo.

Foi como se Mercadante, supondo estar rodeado de rebeldes fingidos, quisesse distinguir quem tem jogo de quem não tem. Ao apostar na reeleição, o ministro insinuou que o governo tem nas mãos o futuro. Algo que não pode ser apalpado ou conferido senão no final do jogo. Quem se anima a pagar pra ver?, eis a pergunta que alguns líderes enxergaram por trás da 'poker face' de Mercadante.

O ministro logo perceberia que o jogo dos líderes é outro. Estão mais interessados no próprio futuro, não no de Dilma. Para assegurar suas reeleições, desejam desobstruir a pauta de votações da Câmara, votando projetos que repercutam bem junto aos eleitores: a regulamentação dos direitos das empregadas, a conversão da corrupção em crime hediondo, a regulamentação do funcionamento de casas de espetáculo como a boate que pegou fogo em Santa Maria (RS)… Do governo, os deputados não querem o futuro. Preferem um presente de coisas concretas. Por exemplo: a vida plena de emendas orçamentárias que lhes fora prometida no ano passado.

O deputado alagoano Givaldo Carimbão (que nome!), líder do recém-nascido Pros, legenda que ambiciona a cobiçada pasta da Integração Nacional, estranhou quando Mercadante declarou que não dá para atender todo mundo na reforma ministerial. Se é assim, alguém vai ter que sair, pespegou Carimbão, voltando-se para o colega baiano Félix Mendonça, do PDT. Que estranhou: Está olhando pra mim por quê?

O carioca Eduardo Cunha, líder do PMDB, entrou no jogo de Mercadante. Aceitando a tese de que as pesquisas sorriem para Dilma, ele dobrou, por assim dizer, a aposta do ministro. Insinuou que uma eventual debandada na Câmara poderia conspurcar os índices. Lembrou que, em junho do ano passado, quando as ruas roncaram, a popularidade de Dilma despencou.

Estivemos do lado da presidente nos piores momentos, disse Cunha. Votamos tudo o que o governo quis. Com o nosso apoio, ela recuperou parte do prestígio, prosseguiu o líder do PMDB, arrematando: fomos solidários. Agora, a gente quer a mesma solidariedade, para que nossos deputados sejam reeleitos. Se a coisa não mudar até o Carnaval, ameaçou, a insatisfação latente vai virar "rebelião" depois da Quarta-Feira de Cinzas.

A maioria dos presentes ecoou Eduardo Cunha. Ouviram-se críticas generalizadas ao governo. Às queixas contra as verbas não liberadas das emendas somaram-se os protestos contra o trancamento da pauta de votações do plenário, monopolizado por propostas como o marco regulatório da internet, que, enviadas pelo Planalto com o selo da "urgência constitucional", impedem a votação de outras matérias.

Seguriam-se reclamações contra a desatenção dos ministros. Líder do PSD, Moreira Mendes afirmou que o correligionário Eduardo Sciara (PR), que o antecedeu na liderança, tentou durante um ano ser recebido por Alexandre Padilha, o petista que comandava a pasta da Saúde. Como um imperador, Dom Padilha 1º não se dignou a receber o líder do PSD, ironizou.

Moreira contou que, em visita ao Ministério das Cidades, uma delegação de 12 deputados do seu partido tomou um chá de cadeira de mais de uma hora do ministro Aguinaldo Ribeiro, do PP. Moreira tornou-se líder no último dia 4 de fevereiro. Desde então, aguardo por uma audiência com o chefe da Casa Civil, disse, virando-se para Mercadante.

O homem forte de Dilma alegou que assumiu a Casa Civil há três semanas. E já acumula uma fila de mais de 150 pedidos de audiência. Não consegue dar vazão. Num súbito rasgo de humildade, Mercadante afirmou que não tem delegação de Dilma para tratar de tudo. Reforma ministerial, por exemplo, não é com ele. Lembrou que a administração do dia a dia do Congresso é atribuição de Ideli Salvati. Acrescentou que, a exemplo de Michel Temer, que sabe muito mais de Congresso do que ele, se dispõe a ajudar. Mas não lhe cabe substituir Ideli.

Crivados de críticas —até Vicentinho (SP), líder do PT, declarou que sua bancada não se considera integralmente atendida em suas demandas—, Mercadante e Ideli assumiram o compromisso de promover correções de rumo. As emendas do ano passado, ainda pendentes de liberação, saem até maio. As reuniões semanais que Ideli mantém com os líderes do condomínio governista ganharão novo sentido.

Numa tentativa de esvaziar reunião que o bloco dos independents marcou para esta terça, Ideli acenou com a hipótese de costurar com os líderes, também nesta terça, uma pauta de votações para todo o semestre. Algo que atenda aos partidos sem romper o compromisso de evitar os projetos que atentem contra a higidez do Tesouro Nacional.

De resto, informou-se aos líderes que ministros passarão a dar expediente no Congresso para recolher in loco as queixas e os anseios das bancadas. A regra valerá para os titulares dos 12 ministérios politicamente mais rentáveis: Saúde, Educação, Integração Nacional, Cidades, Turismo, Trabalho, Agricultura, Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Agrário, Cultura, Esportes e Transportes.

Michel Temer, que mais ouviu do que falou, fez um inventário das decisões no final da reunião. Os descontentes saíram do encontro com o pé atrás. Evocando São Tomé, decidiram esperar para ver. Acreditam no governo apenas até certo ponto. O ponto de interrogação. Voltam a se encontrar nesta terça, depois da conversa com Ideli. Não abandonaram a ideia de construir uma pauta de votações à margem dos interesses do governo.

Alheios à insinuação de Mercadante de que não vale à pena apostar contra o Royal Straight Flush representado pela perspectiva de reeleição de Dilma, os deputados prometiam na noite passada arrastar as suas fichas. A plateia logo saberá se estão blefando.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.