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Josias de Souza

Para corrigir erros de Dilma, PT sugere Rousseff

Josias de Souza

26/04/2014 06h03

No livro de Cameron Crowe sobre suas conversas com Billy Wilder, ele enumerou os dez mandamentos do seu  interlocutor para os roteiristas de cinema. O sexto mandamento é um convite à autocrítica: 'If you have a problem with the third act, the real problem is in the first act'. Ou: "Se você está tendo problemas com o terceiro ato, o verdadeiro problema está no primeiro ato".

Pois bem. No próximo final de semana, dias 2 e 3 de maio, o PT realiza em São Paulo um encontro nacional para aprovar as diretrizes do programa de governo da recandidata Dilma Rousseff. A peça está sendo preparada por Marco Aurélio Garcia, o mesmo redator dos programas de 2006 e de 2010. O mote do documento é um paradoxo: "continuidade com mudança."

Ou seja: Dilma será vendida pelo marketing da campanha de 2014 como a pessoa mais indicada para corrigir os erros de Rousseff. Ou vice-versa. As pesquisas já haviam informado que, na visão dos brasileiros, a gestão de Dilma desanda desde o terceiro ato. O desejo de mudança já roda na casa dos 70%. Pela fórmula de Wilder, o verdadeiro problema de Dilma está no primeiro ato. Chama-se Lula.

A lista preparada por Crowe traz um conselho extra de Wilder, um 11º mandamento: "That's it. Don't hang around". Algo assim: 'Pronto. Dê o fora'. Dito de outro modo: saiba identificar o momento exato de terminar o seu filme, não deixe passar do ponto. Em 2010, Lula trombeteou Dilma como a mulher-maravilha. E permaneceu no palco, tutelando a pseudogerente. Esqueceu de dar o fora.

Lula e Dilma participarão da abertura da pajelança petista, na próxima sexta-feira (2). Ambos irão ao microfone. Ele, para espantar o "volta, Lula". Vamos e venhamos: como poderia voltar alguém que nunca foi?. Ela, para dizer à plateia, com outras palavras, algo assim: nunca digas desta água não beberei mais. Ferve antes e engole por pelo menos mais quatro anos.

Antes de seguir para o encontro do PT, Dilma talvez telefone para Lula. Como ele anda irritado com ela, não atenderá na primeira ligação. Quando a presidente estiver quase saindo do hotel, finalmente, virá o telefonema com a instrução: "use aquele vermelhinho". Dilma trocará o terninho verde, colocará o recomendado e irá à luta.

Nos dias subsequentes, bastará seguir o que for determinado, nos seus mínimos detalhes, para triunfar em outubro. Além de dizer diariamente como Dilma deve escovar os dentes, Lula passará instruções mais específicas. Por exemplo: para controlar a CPI, não mexa com o homem do Renan Calheiros na Transpetro. Ou ainda: se a economia se desmantelar um pouco mais, se a inflação estourar a meta, jogue o Guido Mantega ao mar.

Dilma às vezes faz cara feia, especialmente quando o padrinho lhe torce as orelhas. Mas já aprendeu: no PT, deixar tudo nas mãos de Lula corresponde a entregar tudo para Deus. Dilma é a prova de que a entidade não é infalível. Mas, que diabo, todo mundo merece uma nova chance. Com mais dois mandatos, o PT aproximará o Brasil da perfeição em 2022. Com mais quatro, levará o brasileiro à felicidade perpétua em 2030.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.