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Josias de Souza

Lula: Dinheiro do PSDB vem do Criança Esperança, não vem dos empresários

Josias de Souza

11/12/2014 04h44

Lula andava meio distante dos refletores. Reapareceu na noite passada, num encontro do PT, em Brasília. Além dos holofotes, reencontrou os companheiros, a militância e, sobretudo, o microfone. Teve um surto de loquacidade. Falou por 45 minutos. Num instante em que avançam as investigações do cartel de empreiteiras suspeitas de trocar propinas por contratos na Petrobras, Lula entregou-se à ironia.

Disse que o tucanato se comporta como se o PT fosse o único partido a custear suas campanhas eleitorais com dinheiro recolhido de empresas. "Parece que os tucanos arrecadam dinheiro numa campanha como se fosse Criança Esperança. Não tem empresário."

Pela primeira vez, Lula comparou o mensalão com o petrolão. Repetiu a tese segundo a qual o julgamento que levou a cúpula do PT para a Papuda foi político. "Os companheiros que foram julgados já estavam condenados". Insinuou que haverá novo pré-julgamento. Quando o ministro Teori Zavascki, relator do caso da Petrobras no STF, for analisar o processo, "a imprensa já condenou os nossos companheiros", disse.

Vão abaixo os principais trechos do pronunciamento de Lula, cuja íntegra pode ser escutada no rodapé:

estrelinha

— Bola da vez: "Agora, a bola da vez somos nós. Agora é o PT. O PT não pode continuar crescendo. O PT tem que ser atacado, de todos os lados, em todas as frentes, com artilharia leve e pesada. Vamos fazer uma guerra eletrônica contra o PT. Não importa que seja verdade ou que seja mentira. Vamos tentar difamar o PT. Vamos tentar destruir esse partido."

— Mensalão e Petrolão: "Quando houve o processo do mensalão, os companheiros que foram julgados já estavam condenados. Esse processo da Petrobras, que está acontecendo agora, o que a gente está vendo é que, quando esse processo chegar na Suprema Corte, que o ministro Teori for analisar a delação premiada, criada por nós, a imprensa já condenou os nossos companheiros. Ou já condenou aqueles que não são companheiros e que estão sendo citados."

— Investigações X interpretações: "Eu dizia na reunião da bancada hoje: a gente reclama das investigações? Não! A gente reclama é da interpretação das investigações. Não tem um instrumento nesse país que esteja servindo para investigar e para aparecer tantas denúncias de corrupção como os instrumentos que nós criamos. Nós! Ninguém! Fomos nós que criamos todos os instrumentos que permitem às pessoas compreenderem: neste país, a partir do governo do PT, ninguém será impune se não for honesto, se não for ético e se não fizer as coisas corretas. Esse partido não nasceu pra fazer igual."

—Papel higiênico: "Eu, de vez em quando, vejo o jornal denunciar corrupção em ONG. Aonde pegou o dado? No Portal da Transparência do governo. A lei do acesso à informação é nossa, fomos nós que criamos. Daqui a pouco eles querem saber a cor e a qualidade do papel higiênico que se usa no palácio."

— Terceiro turno: "O que nós queremos para esse país é que eles sigam o exemplo que o PT deu. Eu perdi 89. E todo mundo sabe como é que eu perdi. Entretanto, eu não fiquei na rua protestando. Eu fui me preparar pra outra. Perdi a outra. […] Cada vez que a gente perdia, a gente acatava o resultado. Nem isso eles aprenderam. Eles acham que a campanha não acabou."

— Quinto mandato: "Eles admitiam até a nossa chegada à Presidência da República. Mas a eleição era incômoda. O terceiro mandato era muito mais incômodo ainda. E o quarto mandato mais incômodo ainda. Eles começam a ficar apavorados com a perspectiva de quinto mandato. Começam a ficar apavorados. E nós precisamos tomar muito cuidado, porque ninguém tem que pensar nesse momento em 2018. Nós temos que pensar é em 1º de janeiro de 2015, na posse da presidenta Dilma. E no sinal que a gente vai ter que dar para esse país…"

— Guerra de passeatas: "A gente não pode, na minha opinião, ficar fazendo essa disputa com eles. Eles fazem uma passeata na quinta, a gente faz uma na sexta. Eles fazem uma na segunda e a gente faz uma na terça. Ninguém aguenta, meu filho. A Dilma tem que governar esse país. A Dilma não pode ficar atrás de passeata, não. Ela já ganhou as eleições. A Dilma precisa governar e cuidar desse país, cuidar desse povo. […] Deixa a mulher trabalhar, gente! Ela ganhou as eleições. Ela tá montando o governo dela."

— Corrupção na testa: "É hora de os petistas levantarem a cabeça, é hora de a gente ter orgulho de enfrentar um debate sobre a corrupção nesse país. Eu quero dizer pra vocês uma coisa, olhando na cara de cada companheiro aqui: a gente não pode aceitar a pecha que eles querem incutir na nossa testa, de corrupção."

— O mais honesto: "Vou contar uma coisa pra vocês: eu não sou melhor do que ninguém. Mas se enfiar todos eles, um dentro do outro, eles não são mais honestos do que eu. Não são mais honestos do que eu. E quando eles, historicamente, não têm argumento pra fazer o debate político, pra discutir economia, pra discutir política social, a corrupção é o único discurso da direita em vários lugares do mundo. Se valeu pra outros, valeu. Pra mim não vale."

— Mãe analfabeta: "Eu sou filho de uma mulher que nasceu e morreu analfabeta. O único legado que ela me deixou foi o direito de andar de cabeça erguida neste país. E não vai ser ninguém que vai fazer eu abaixar a cabeça nesse país por denúncias contra o partido."

— Ritual ético: "Companheiros e companieras, é hora de o orgulho petista aflorar. É hora de a gente dizer pra todos os militantes do PT: esse partido nasceu pra ser diferente. E vai ser diferente. Quem não quiser cumprir o ritual ético nesse partido, ter uma relação ética na sociedade ou nas instâncias governamentais, é melhor sair do PT, porque senão a gente não vai conseguir governar esse país."

— Bolsa alegria: "A expectativa é que a presidenta Dilma anuncie pra esse país, no dia 1º, o que serão os próximos quatro anos no Brasil do ponto de vista econômico, da sua relação com a sociedade, das políticas sociais, da política de desenvolvimento, da política de crescimento, para que a gente possa recupecar nesse país a alegria e o otimismo que nós tivemos durante muito tempo."

— Nunca antes no planeta: "Falo com muito orgulho: não existe no mundo, e vocês têm que ter orgulho disso, não existe no mundo nenhuma experiência política mais bem sucedida do que o PT. Não existe! Obviamente que, por termos ficado grandes, a gente também comete erros."

— Filho problemático: "Se eu quisesse citar uma mãe como exemplo, o melhor momento da criação de um filho é quando ele está no colo da gente e que depende só da gente. A gente não pode soltar. Não senta, não come sozinho, não engatinha, não anda. Tem que estar no colo da gente. E quando o bichinho começa a crescer, que a gente pensa que vai ajudar a gente, o bichinho começa a dar problema. […] E quando a gente pecebe que ele está ficando adulto, ele quer sair de noite. A dor de cabeça aumenta. Arruma uma namorada. A dor de cabeça aumenta. Inventa de fazer coisas boas, inventa de casar. Vêm os netos. O partido é isso. o partido era um tiquinho de gente, meia dúzia de loucos que começaram com um movimento em 79. E, de repente, se transforma no maior partido de esquerda —com exceção da China—, o maior partido de esquerda do mundo. Plural, democrático. E aí começam a aparecer os defeitos, porque nós somos constituídos de seres humanos."

— Militância remunerada: "A gente começa a adquirir hábitos que não deveríamos ter adquirido, porque não nascemos para isso. Nós não nascemos para ser igual aos outros, nascemos pra ser diferentes. Nós nascemos pra fazer campanhas diferentes. Nós nascemos para não fazer campanhas baseadas nos cabos eleitorais pagos. Uma campanha baseada no gasto de muito dinheiro, aonde a militância desaparece e aparece o profissional da política. Nós não nascemos pra isso."

— Saudade das origens: "Cada um de vocês tem uma experiência no Estado de vocês, na cidade de vocês. Como era mais gostoso quando a gente não tinha tanto voto como a gente tem hoje, mas a gente tinha muito mais orgulho e andava de cabeça erguida nesse país, querendo que as pessoas copiassem a gente."

— Caída em si: "Eu não defendo a ideia de que o PT volte às origens, porque, coitadinho do Lula, voltar às origens aos 69 anos é impensável. Não quero isso. Quero que a gente evolua, como evolui a sociedade. […] Mas eu acho que o PT precisa repensar o seu papel na sociedade. A palavra repensar é muito difícil, porque pensar já e muito difícil. Imagina repensar! Significa penar duas vezes. É difícil. Mas nós precisamos repensar o nosso papel. […] A direção de um partido não é uma partilha entre tendências. A direção de um partido tem que ter os principais quadros desse partido, para se transformar em voz pública desse partido, para defender o partido. Nós, nesse momento político, precisamos ter mais representatividade. Preciamos ter mais força pública."

— Fuga de cérebros: "Cadê os intelectuais do PT? Eram tantos! E eles sonhavam estar no PT porque acreditavam no discutso que nós fazíamos. Quantos e quantos intelectuais… A começar por duas figuras nobres: Sérgio Buarque de Holanda e Mário Pedrosa, acompanhados de Apolônio de Carvalho. Eles pareciam meninos sonhando quando a gente criou PT. Era tudo o que eles queriam na vida. Um partido de esquerda, onde os trabalhadores tivessem a maioria nesse partido.

— Sonhos e utopias: "Houve um tempo em que a gente ia pra um comício do PT e a grande maioria era de jovens de 25, 26 e até 27 anos. E nós, muitas vezes, somos pais dessa gente que taí. Quem sabe nós não estamos conseguindo convencer essa gente a ter a mesma esperança, o mesmo sonho que nos tivemos quando começamos o PT. Então, é preciso voltar a construir sonhos. É preciso voltar a construir utopias.

— Geração Twitter: "Essa meninada que não ouve mais rádio, que não ouve mais televisão, que não lê mais jornal, como é que nós vamos conversar com ela, numa linguagem de meias palavras, que eu nem entendo mais o Twitter. É tudo muito curto, muito breve. Você não consegue explicitar uma ideia. Onde é que a gente vai se comunicar com essa gente num momento em que a gente é atacado?

 

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.