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Josias de Souza

General da ativa critica a Comissão da Verdade

Josias de Souza

12/12/2014 02h31

Membro do Alto Comando do Exército e chefe do Departamento Geral do Pessoal, o general Sérgio Etchegoyen tachou de "leviano" o relatório final que a Comissão Nacional da Verdade entregou a Dilma Rousseff na quarta-feira. É a primeira crítica pública de um oficial da ativa ao trabalho do grupo que inventariou as violações aos direitos humanos cometidos durante a ditadura

Deve-se a revolta do general, noticiada pela repórter Tânia Monteiro, ao fato de a comissão ter incluído seu pai, o também general Leo Guedes Etchegoyen, já morto, na lista de 376 civis e militares acusados de violar os direitos humanos. Ele se manifestou por escrito, numa nota assinada também por sua mãe e seus quatro irmãos.

Os Etchegoyen estranharam que a Comissão da Verdade não tenha especificado as violações que atribui ao patriarca da família. "Ao apresentar seu nome, […] sem qualquer vinculação a fatos ou vítimas, os integrantes da CNV deixaram clara a natureza leviana de suas investigações e explicitaram o propósito de seu trabalho, qual seja o de puramente denegrir."

O general e sua família irritaram-se com a conversão de um morto em alvo da comissão: "Ao investirem contra um cidadão já falecido, sem qualquer possibilidade de defesa, instituíram a covardia como norma e a perversidade como técnica acusatória. No seu patético esforço para reescrever a história, a Comissão Nacional da Verdade apontou um culpado para um crime que não identifica, sem qualquer respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa."

O Regulamento Disciplinar do Exército proíbe oficiais da ativa de emitir em público opiniões sobre temas políticos. O descumprimento da norma pode levar o infrator à prisão. Mas Sérgio Etchegoyen comunicou previamente ao Comandante do Exército, general Enzo Peri, que divulgaria uma nota junto com a família. Resta agora saber se Dilma Rousseff será também compreensiva. Abaixo, a íntegra da nota da família Etchegoyen:

A comissão nacional da verdade (CNV) divulgou ontem seu relatório final, onde relaciona 377 nomes sob a qualificação de 'autores de graves violações de direitos humanos'. Nela consta o nome de Leo Guedes Etchegoyen.

Sobre o fato, nós, viúva e filhos, manifestamos a nossa opinião.

Jamais fomos contatados por qualquer integrante ou representante daquela comissão, nem o Exército recebeu qualquer solicitação de informações ou documentos acerca de Leo G. Etchegoyen.

Ao apresentar seu nome, acompanhado de apenas três das muitas funções que desempenhou a serviço do Brasil, sem qualquer vinculação a fatos ou vítimas, os integrantes da CNV deixaram clara a natureza leviana de suas investigações e explicitaram o propósito de seu trabalho, qual seja o de puramente denegrir.

Ao investirem contra um cidadão já falecido, sem qualquer possibilidade de defesa, instituíram a covardia como norma e a perversidade como técnica acusatória.

No seu patético esforço para reescrever a história, a CNV apontou um culpado para um crime que não identifica, sem qualquer respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Leo Guedes Etchegoyen representa a segunda geração de uma família de generais que serve o Brasil, com retidão e patriotismo, há 96 anos. Seguiremos defendendo sua honrada memória e responsabilizando os levianos que a atacarem."

Porto Alegre, RS , 11 de dezembro de 2014

Lucia Westphalen Etchegoyen, viúva

Sergio Westphalen Etchegoyen, filho

Maria Lucia Westphalen Etchegoyen, filha

Alcides Luiz Westphalen Etchegoyen, filho

Marcos Westphalen Etchegoyen, filho

Roberto Westphalen Etchegoyen, filho

– Atualização feita às 16h05 desta sexta-feira (12): A Comissão Nacional da Verdade divulgou uma nota sobre o questionamento da família Etchegoyen. Vai abaixo a íntegra do texto:

A assessoria da Comissão Nacional da Verdade, tendo em vista o questionamento da família do general Leo Guedes Etchegoyen sobre a inclusão deste no rol de autores de graves violações de direitos humanos (mais especificamente, no capítulo 16 do volume I do relatório final da CNV, categoria B: "responsável pela gestão de estruturas onde ocorreram graves violações de direitos humanos"), esclarece que a inclusão se deve aos seguintes fatos:

Após o golpe de 1964, Leo Guedes Etchegoyen assumiu a chefia da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul, período no qual recebeu Daniel Anthony Mitrione, notório especialista norte-americano em métodos de tortura contra presos políticos, para ministrar curso à Guarda Civil do Estado, realizado no período de 19 a 26 de junho. Em novembro de 1964, Leo Guedes Etchegoyen assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, permanecendo no cargo até fevereiro de 1965.

Leo Guedes Etchegoyen foi chefe do Estado-Maior do II Exército de agosto de 1979 a julho de 1981, período no qual serviu sob as ordens do general Milton Tavares de Souza, comandante do II Exército que chefiou o Centro de Informações do Exército no período Médici. Em 28 de dezembro de 1979, o general Leo Etchegoyen, na qualidade de chefe do Estado Maior e supervisor das atividades do DOI-CODI, fez calorosos elogios aos serviçoos prestados pelo Tenente-coronel Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo, chefe do DOI-CODI/II Exército, quando ressaltou " (…) sua experiência no campo das informações e por sua dedicação, boa vontade, capacidade de trabalho e espírito de cooperação".

Como já registrado no capítulo de autoria do relatório da CNV, Dalmo Muniz Cyrillo atuou no DOI-CODI do II Exército como chefe de equipes de interrogatório, tendo desempenhado a funçao de Sub-comandante nos períodos de Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Em 1979, Dalmo Cyrillo assumiu o comando do DOI-CODI de Sao Paulo, período no qual atuou sob as ordens de Leo Etchegoyen e Milton Tavares de Souza.

Em 19 de abril de 1980, quando Leo Etchegoyen era chefe do Estado Maior do II Exército, seu comando esteve vinculado ao planejamento da prisão coletiva de sindicalistas e lideranças dos metalúrgicos da região metropolitana de São Paulo conhecida como ABCD, bem como do sequestro de integrantes de organizações de direitos humanos que prestavam solidariedade a esses trabalhadores, como os advogados José Carlos Dias – então presidente da Comissão Justiça e Paz (CJP) da Arquidiocese de São Paulo – e Dalmo Dallari – ex-presidente da CJP –, prisões efetuadas com violência, sem mandado de prisão e sem a devida comunicação às suas famílias. Este episódio está registrado no capítulo 8 do relatório da CNV, dedicado ao tema das prisões arbitrárias.

O episódio foi esclarecido em notícia publicada pelo jornal Gazeta Mercantil em 26 de abril de 1980, que indicou o comandante do II Exército, general Milton Tavares de Souza, como o responsável pelas prisões. O fato foi confirmado por documento produzido pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar), protocolado no Serviço Nacional de Informações no dia 9 de junho de 1980.

A operação contra líderes do movimento sindical do ABC e integrantes da Comissão Justiça e Paz foi planejada pelo comando do II Exército e executada por agentes do DOI-CODI, do DEOPS/SP, DPF/SP, ocasião em que Etchegoyen era o chefe do Estado Maior do II Exército, principal instância de planejamento de ações daquele comando, e portanto responsável pelas ações executadas por agentes do DOI, do DPF e do DEOPS a ele subordinados por meio da estrutura do DOI-CODI do II Exército.

Ainda, deve ser registrado que, no dia 30 de dezembro de 1980, Dalmo Cyrillo foi novamente elogiado por Etchegoyen, quando o então comandante do Estado Maior do II Exército demonstrou pleno conhecimento das atividades de repressão ao meio estudantil, da vinculação de Cyrillo com órgãos de segurança e informações, especialmente, na grande São Paulo.

Brasília, 11 de dezembro de 2014

Assessoria da Comissão Nacional da Verdade

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.