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Josias de Souza

Lula compara petistas delatados a Jesus Cristo

Josias de Souza

24/10/2015 04h50

Em discurso feito na noite desta sexta-feira, em Salvador, Lula afirmou que o PT e os petistas sofrem um "processo de criminalização." Queixou-se do que chamou de "vazamentos seletivos" de informações colecionadas pela força-tarefa da Operação Lava Jato. E construiu uma inusitada analogia entre o Brasil do petrolão e a Judeia do tempo de Jesus Cristo.

Sem citar nomes, Lula comparou os responsáveis pelos vazamentos a Herodes, aquele rei da Judeia que, ao receber a notícia de que o Messias viera ao mundo, ordenou aos seus guardas que matassem todos os meninos com menos de dois anos que encontrassem na cidade de Belém. Nessa versão bíblica do petrolão, os petistas fazem o papel de Cristo, que é cruficicado no final.

O áudio do discurso de Lula está disponível no rodapé do post. O trecho em que o morubixaba do PT enfia Jesus no enredo do maior escândalo da história da República começa aos 23min45s do pronunciamento. Eis o que disse Lula:

"…Desde dezembro eu denunciei que o PT precisava tomar cuidado porque há um processo de criminalização do partido. Há um processo de criminalização do PT e dos petistas. Aí eu denunciei o vazamento seletivo. Na quinta-feira, começa o boato de alguém do PT. Na sexta, sai que alguém delatou o PT. No sábado, sai nas revistas e nos jornais. […] Isso é desde 2005. É um processo."

Lula acrescentou: "Eu lembro quando Herodes mandou marcar todas as crianças. E Maria e José tiveram que fugir com Jesus Cristo. Ele ficou 30 anos que a gente não sabe o que aconteceu na vida dele. Quando ele voltou, em três anos transformou a história da humanidade. E o que fizeram com ele? Crucificaram."

Lula discursou num evento partidário sobre educação. Ouviram-no políticos do PT baiano e militantes do partido, da CUT e de movimentos sociais. O orador foi aplaudido ao criticar as delações da Lava Jato.

"Queria que vocês ficassem atentos, porque nós estamos vivendo um momento excepcional", disse Lula à plateia. "Um cidadão é preso, esse cidadão tem a promessa de ser solto se ele delatar alguém. Aí ele passa a delatar até a mãe se for o caso, para poder sair da cadeia. O dado concreto é que nós estamos vivendo quase um Estado de exceção."

No mundo paralelo que criou para si mesmo, Lula confunde o Estado democrático de direito com um regime de exceção. Por ironia, o instituto da delação premiada consta de uma lei sancionada por Dilma Rousseff, sua afilhada política. Os depoimentos dos delatores são colhidos pela Polícia Federal do governo petista e pelo Ministério Público Federal. Para ter validade, precisam ser homologados pelo Judiciário.

Na Lava Jato, cabe ao juiz Sérgio Moro, do Paraná, avalizar as delações contra corruptos sem mandato. Não há notícia de homologação feita por Moro que tenha sido revista pelas instâncias superiores do Judiciário. Quando os suspeitos de corrupção têm mandato ou integram o primeiro escalão do governo, cabe ao ministro Teori Zavascki referendar as delações. Teori foi guindado ao Supremo graças a uma indicação de Dilma.

Lula tem milhões de motivos para implicar com as delações. Seu próprio nome começa a soar nos lábios de delatores com frequência inquietante. Já vincularam as propinas da Petrobras ao caixa de sua campanha de 2006 e até a um suposto repasse milionário feito a uma de suas noras. Outros petistas delatados não têm uma aparência, digamos, celestial. Foram recolhidos aos cárceres paranaenses, por exemplo, dois velhos conhecidos de Lula: o grão-petista José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto.

Lula revelou-se incomodado com a constatação de que parte das propinas extraídas da Petrboras foram lavadas pelo PT no TSE como doações legais. Ele insinua que, nessa matéria, seu partido não fez senão o que todos fazem.

"Eu, de vez em quando, fico muito puto quando vejo corrupto histórico falando de ética. Obviametne que nós achamos que quem errar nesse país tem que pagar. Não defendemos quem pratica corrupção, não. Mas às vezes eu fico irritado porque parece que os empresários tinham dois cofres. Tinha o cofre do dinheiro bom e o cofre do dinheiro ruim."

Lula prosseguiu: "Parece que o PT só ia no dinheiro ruim. O bom era para o PSDB, era para os outros partidos políticos. É uma coisa insana. Será que os petistas eram tão burros assim? Ou será que o empresários falava assim para os petistas: 'olha, esse dinheiro aqui é propina. Esse aqui é honesto, qual é o que você quer?'."

Para que Lula fizesse algum nexo, seria necessário que explicasse porque nomeou para as diretorias da Petrobras personagens apadrinhados por partidos com o propósito de assaltar a Petrobras. Mas não se deve esperar muito de Lula. Primeiro porque ele "não sabia" de nada. Segundo porque acha que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações.

Sob Lula, Dilma presidiu o Conselho de Administração da Petrobras. Nessa função, conviveu com a diretoria propineira da estatal. Mas também não sabia de nada. Só no segundo ano do primeiro mandato de Dilma os diretores indicados por partidos deixaram os seus postos. Hoje, Dilma costuma dizer que foram mandados para o olho da rua. Mas na época a Petrobras informou que diretores como Paulo Roberto Costa e Renato Duque saíram da companhia "por conta própria", levando cartas com rasgados elogios do conselho então comandato por Dilma.

A despeito de tudo isso, Lula avalia que Dilma não merece as críticas que vem recebendo da oposição pró-impeachment. Para ele, a presidente apanha por ser mulher. "O que eles fazem com a Dilma é uma coisa nojenta, porque é o preconceito contra a mulher", disse. "Esses machistas, essas pessoas que só enxergam a mulher como objeto de cama e mesa, esses machistas…"

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.