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Josias de Souza

Cunha esvazia sessão para exibir sua musculatura política para Dilma e PT

Josias de Souza

02/12/2015 04h16

Estava tudo combinado. O PT entregaria os três votos que controla no Conselho de Ética a Eduardo Cunha, selando o arquivamento do pedido de cassação do seu mandato. Em retribuição, o presidente da Câmara manteria na gaveta os pedidos de impeachment formulados contra Dilma. E as forças governistas fechariam a terça-feira entregando para a presidente da República uma encomenda estratégica: a autorização para Dilma fechar as contas públicas de 2015 com um rombo de R$119,9 bilhões. Deu errado.

Operando na coxia, longe dos refletores, Cunha articulou-se com seus aliados para esvaziar a sessão do Congresso em que deputados e senadores autorizariam o governo a fechar o ano no vermelho. Fez isso porque, horas antes, no meio da tarde, o presidente do PT, Rui Falcão, divulgara na internet uma nota com o seguinte teor: "Confio em nossos deputados, no Conselho de Ética, votem pela admissibilidade" do processo contra Cunha.

Cunha enfureceu-se com a nota de Falcão e com um abaixo-assinado em que 34 dos 60 deputados do PT pediram o seu escalpo. Mais cedo, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), lhe havia garantido que os três petistas do Conselho de Ética —Zé Geraldo (PA), Leo de Brito (AC) e Valmir Prascidelli (SP)—votariam contra o parecer que pede a continuidade do processo que pede a sua cassação. Na dúvida quanto à solidez dos compromissos do PT, Cunha preferiu puxar o freio de mão. Manobrou para esticar a reunião do conselho até o início da sessão do Congresso. O regimento impede que outras comissões funcionem depois que o plenário liga suas fornalhas.

Nas suas conversas subterrâneas, Cunha voltou a avisar: se o PT não lhe fornecer os votos que faltam para enterrar o pedido de cassação no Conselho de Ética, não hesitará em colocar para andar o processo de impeachment da presidente da República. A chantagem é explícita. "Estamos votando não com a faca, mas com a metralhadora no pescoço, todo mundo sabe que o Cunha trabalha com essa arma [do immeachment]. A metralhadora está na mão do Cunha."

Chantageia daqui, conspira dali foram adiadas para esta quarta-feira as duas principais encrencas da semana —o caso Cunha e a revisão meta fiscal de Dilma. O presidente da Câmara avisava na noite passada que, se necessário, pode providenciar com seus aliados, novamente, o esvaziamento do plenário do Congresso. Parlamentares governistas impressionaram-se com a demonstração de força de Cunha, na sessão noturna.

Dilma empenhara-se pessoalmente para encher o plenário. Mal desembarcara da viagem que fez à França e já se reuniu com líderes partidários e ministros, para articular a aprovaçao da revisão da meta fiscal. Avisou aos aliados que, sem a autorização do Legislativo para converter a promessa de superávit de R$ 55,3 bilhões num rombo de R$ 119,9 bilhões, o governo ficará paralisado.

Os partidos de oposição foram à sessão com ganas de obstruir a alteração da meta. "Tragam travesseiros e cobertores para o plenário", avisou o líder do DEM, Mendonça Filho (PE). "Se for necessário, ficaremos aqui até as seis da manhã", ecoou o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB). "No ano passado, nós já havíamos aprovado um projeto livrando o governo de cometer um crime fiscal por desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que estão querendo fazer agora é, mais uma vez, limpar a cena de um crime."

Na presidência da sessão, Renan Calheiros conduziu a sessão até o ponto em que foram votados os quatro vetos presidenciais que trancavam a pauta. Depois, na votação de um requerimento protelatório, a oposição pediu que fosse verificado o quórum. Algo previsto no regimento. Contados os votos, a tropa que Dilma imaginou ter arregimentado pela manhã só conseguiu registrar no painel eletrônico a presença de 226 deputados —o quórum mínimo exigido para as sessões deliberativas é de 257. Renan Calheiros encerrou a sessão, remarcando-a para esta quarta.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.