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Josias de Souza

Tombini substituiu Levy na frigideira do Planalto

Josias de Souza

21/01/2016 04h31

A frigideira do Palácio do Planalto estava inativa desde que Joaquim Levy, já bem passado, deixou o Ministério da Fazenda. Não está mais. Arde no utensílio o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Ao manter a taxa básica de juros em 14,25% ao ano, o BC sinalizou para o mercado, na noite desta quarta-feira, que Dilma Rousseff traz a política monetária na coleira neste início de 2016. Foram para o beleléu os últimos vestígios de autonomia da autoridade monetária.

A manutenção dos juros não chega a ser um despropósito. Embora em minoria, há na praça economistas respeitados que esgrimem a tese segundo a qual a elevação da taxa aprofundaria a recessão que carcome a atividade econômica. O problema é que o BC, alheio a todas as ponderações, sinalizava desde o final do ano passado que puxaria a Selic para o alto. Deu meia-volta sob pressões de Dilma, de Lula e do PT. Por mal dos pecados, o BC não explicou adequadamente o recuo. Com isso, permitiu que a providência fosse entendida como uma rendição política.

A independência do Banco Central não é nenhuma panaceia. Mas há um quase consenso entre os especialistas de que se dão melhor no mundo os países que fazem opção pela estabilidade da moeda e pela disciplina fiscal, associadas a um Banco Central que, na prática, desfrute de independência funcional —ou autonomia, como se queira definir. Dilma, que nunca conviveu pacificamente com tais conceitos, parece pender novamente para uma matriz econômica própria.

Os sinais de que o BC planejava salgar os juros foram emitidos por escrito e verbalmente. No relatório trimestral de inflação de 2015, divulgado na véspera do Natal, a instituição anotara: "Independentemente do contorno das demais política, o Comitê [de Política Monetária do BC] adotará as medidas necessárias de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos do regime de metas, ou seja, circunscrever a inflação aos limites estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, em 2016, e fazer convergir a inflação para a meta de 4,5%, em 2017."

No mesmo dia, numa conversa com jornalistas, o diretor de Política Econômica do BC, Altamir Lopes, foi questionado sobre as pressões políticas para baixar os juros, em resposta à recessão e ao desemprego. Altamir disse que os efeitos da inflação são tão deletérios ou até piores. Ele soou categórico: "Se você conseguir fazer um ajuste e trazer a inflação para a meta, os ganhos para a sociedade são muito maiores."

O diretor do BC acrescentou: "O nosso mandato em relação à inflação é um só. É trazer a inflação para a meta. Temos determinação, compromisso, autonomia e instrumentos para agir. E vamos agir, se necessário."

Ficara entendido que, para lidar com uma inflação de mais de 10%, o BC não hesitaria em elevar a taxa de juros nesta quarta-feira, na primeira reunião do Conselho de Política Monetária no ano de 2016. Faria isso "independentemente das demais políticas". Quer dizer: se necessário, remaria na contramaré do ajuste suave defendido por Dilma e Nelson Barbosa, o petista que substituiu Levy na Fazenda.

Em reação, o presidente do PT, Rui Falcão, veiculou na página eletrônica do partido, uma mensagem de final de ano intitulada "Uma nova e ousada política econômica para 2016". No texto, Falcão anotou que Dilma "precisa se concentrar na construção de uma pauta econômica que devolva à população a confiança perdida após a frustração dos primeiros atos do governo." Numa frase, desafiou o BC e a Fazenda: "Chega de altas de juros e cortes de investimentos."

Nesta quarta-feira (20), enquanto a diretoria do BC ainda debatia os juros entre quatro paredes, Lula ditava o novo rumo numa entrevista a bloqueiros, em São Paulo. Nesta fase pós-Levy, Dilma deve governar com os olhos voltados para sua tribo, não para o mercado. "Em algum momento se acreditou que, fazendo um discurso para o mercado, ia melhorar. Não conseguimos ganhar uma pessoa do mercado", lamuriou-se Lula. "E perdemos nosso exército."

Às vésperas da reunião do Copom, Tombini esteve com Dilma. Na sequência, escorou-se num relatório do FMI para sinalizar o recuo. Em essência, o texto do Fundo Monetário dizia que a economia brasileira encolheu em 2015 (3,8%), voltará a murchar em 2016 (3,5%), ficará estagnada em 2017 e talvez volte a crescer em 2018. Nada que o BC não soubesse. Ainda assim, Tombini usou o documento como muleta para sua meia-volta.

Além de evidenciar a reativação da frigideira, o vaivém de Tombini potencializou no mercado a percepção de que há no BC uma diretoria com prazo de validade vencido. Num instante em que a inflação reclama atenção prioritária, isso pode ter efeitos desastrosos. Espraia-se também a sensação de que Dilma já não dispõe de bodes expiatórios. Responderá sozinha pela ruína econômica. Sem desculpas nem anteparos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.