Topo

Josias de Souza

Sonho de Serra era assumir pasta da Fazenda

Josias de Souza

22/02/2017 23h04

O Ministério das Relações Exteriores era o Plano B de José Serra. O tucano deixou o governo sem conseguir realizar o seu Plano A: a transferência para a pasta da Fazenda. O projeto político de Serra era repetir a trajetória de Fernando Henrique Cardoso, que saltou da chefia da área econômica, no governo-tampão de Itamar Franco, para a Presidência da República, onde se manteve por dois mandatos.

Serra foi traído pela coluna cervical num instante em que Henrique Meirelles, o ocupante da poltrona que ele ambicionava, celebra a melhoria dos indicadores econômicos. A inflação e os juros caem. O PIB e a arrecadação do Tesouro sobem.

Num encontro com Temer e deputados, na véspera, Meirelles dissera que o país começava a virar a página da recessão. Quer dizer: o Plano A de Serra tornara-se um sonho longínquo. Para complicar, as dores na coluna haviam transformado a espera no Itamaraty numa experiência lancinante.

A saída de Serra surpreendeu Temer e o tucanato. Todos sabiam de suas complicações médicas. Ninguém ignorava que a cirurgia a que ele se submetera no final do ano passado, no Hospital Sírio-Libanês, não o livrara das dores. Mas Serra não sinalizara a intenção de sair. Ao contrário, dissera dias atrás a um correligionário que abandonara a cogitação de se demitir. A despeito do mal-estar físico, ficaria na Esplanada.

Na conversa com Temer, na noite desta quarta, Serra exibiu, além da carta de demissão, laudos médicos que atestam o seu drama. O ministro tucano Antonio Imbassahy, coordenador político do governo, também estava no Planalto na noite desta quarta. Testemunhou parte da conversa. Contou ao blog que Serra reassume a cadeira de senador já nesta quinta-feira.

A nova rotina, disse Imbassahy, permitirá a Serra submeter-se a um tratamento cuja duração é estimada em pelo menos quatro meses. Na reunião com Temer, Serra ouviu apelos para que permanecesse no Itamaraty. Respondeu que não conseguiria manter o ritmo de viagens internacionais que o cargo de chanceler impõe. Relatou o suplício que enfrentara em sua última viagem, para a Alemanha. E Temer aceitou a demissão.

Entre todos os quadros do PSDB, o mais próximo de Temer é José Serra. Os dois são amigos. Na fase em que Dilma Rousseff ardia no caldeirão do impeachment, conversaram amiúde. Àquela altura, a participação de Serra num ainda hipotético governo do PMDB era mencionada com naturalidade pelos políticos que privavam da intimidade de Temer. Mas o futuro presidente não escondia de amigos como Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha que considerava inconveniente acomodar Serra no Ministério da Fazenda.

Temer alegava que, para compor um governo suprapartidário, como desejava, teria de assumir o compromisso de não alimentar pretensões em relação à sucessão de 2018. Do contrário, a primeira legenda a tomar distância seria o PSDB. Por analogia, dizia Temer, o desafio de recolocar a economia brasileira nos trilhos exigiria um esforço coletivo que não combinava com os objetivos pessoais de um ministro como Serra, movido a ambições presidenciais.

Ao se fixar no nome de Henrique Meirelles para a Fazenda, Temer frustou os planos de Serra de seguir as pegadas do amigo FHC. Simultaneamente, o sucessor constitucional de Dilma livrou-se da sina de repetir Itamar Franco, o Temer de outrora.

Itamar levou para o túmulo, em 2011, os ciúmes que nutria por FHC, o ministro que o ajudou a se transformar numa espécie de improvável que deu certo. Hospitalizado, Itamar queixava-se de não ser reconhecido como o primeiro presidente civil a eleger o sucessor desde Arthur Bernardes. Irritava-se com a disseminação da versão segundo a qual FHC é que fizera o antecessor, livrando-o do desastre com a edição do Plano Real.

Vice de Fernando Collor, Itamar virou presidente graças ao primeiro impeachment da história do país. Nos primeiros cinco meses, teve três ministros da Fazenda. Gustavo Krause e Paulo Haddad duraram 75 dias cada. Eliseu Resende, 79. Os ventos começaram a virar em maio de 1993, quando transferiu FHC da pasta das Relações Exteriores para a Fazenda.

Serra mimetizou a trajetória de FHC até a fase do Itamaraty. Entretanto, para seu desassossego, o Temer que resultou do segundo impeachment da história é um anti-Itamar. Dono de um temperamento acomodatício, Temer encostou o estômago no balcão e comprou com cargos e verbas uma maioria parlamentar que faz de Henrique Meirelles um ministro confortável na poltrona.

Além da cadeira no Senado, Serra reassume sua posição no último lugar da fila de presidenciáveis do PSDB, atrás de Aécio Neves e Geraldo Alckmin. Considerando-se que Aécio e Alckmin já frequentam as pesquisas na condição de sub-bolsonaros, alguém que esteja atrás de ambos, ainda que seja alguém como Serra, sempre pronto a levar os lábios ao trombone, terá de reconhecer lhe falta o sopro.

De resto, a conjuntura empurra Serra para uma outra fila. A delação da Odebrecht fez dele uma investigação esperando para acontecer na Lava Jato. Convém cuidar da saúde. (Abaixo, a carta de demissão de Serra).

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.